[Texto editado de autoria de Sérgio de Oliveira Souza publicado em TRAMA - Revista dos pós-graduandos em Filosofia pela UERJ]
A história do pensamento no Brasil é enriquecida pelas inegáveis contribuições de um cearense obstinado, Raimundo de Farias Brito (1862-1917), que assume seu amor pelo saber, elevando-o à paixão.
É de fato apaixonadamente que ele se dedica à filosofia, por mais que tentem desestimulá-lo ou até impedi-lo. Queixa-se da influência positivista que passa a dominar com Benjamin Constant e que retira a filosofia dos currículos oficiais do ensino brasileiro.
Mas a sua paixão é mais forte e ele resolve que tem o direito de dedicar-se a esta "inutilidade", assim como os outros se dedicam às suas preferências.
Através dele, enquanto procura da "finalidade do mundo", pensadores como Voltaire, Schopenhauer, Kant, Hegel, Feuerbach, Renan, Hamilton, Stuart Mill, Bergson e outros vão sendo apresentados aos leitores (talvez poucos) da época.
Farias Brito trabalha com dois pontos principais: natureza e consciência. Seleciona três pares de diferenças para os quais entende que se deve buscar, pela filosofia, explicação nos universais: vida e morte, prazer e dor, direito e dever. Não era um pessimista, mas estudou essa corrente.
Volta a Sócrates para falar da morte como necessária e a Salomão - citando o Eclesiastes (12,8): "vaidade das vaidades, tudo vaidade". Considera as recíprocas relações entre moral, filosofia e direito. Afirma que a metafísica é uma necessidade fundamental do espírito humano. Acusa o erro positivista de tentar eliminar a metafísica.
A filosofia é conhecimento em desenvolvimento (in fieri) e a ciência é conhecimento já feito. Entende que filosofia e Poesia andam juntas, pois têm as mesmas fontes ocultas no espírito, sendo que a primeira tem maior extensão, maior alcance.
O nosso organismo dá origem a dois tipos de fenômeno: físicos e psíquicos. Os primeiros dependem das leis do movimento, espaço e tempo e os outros dos fenômenos da consciência (sentimento e conhecimento). A morte é apresentada como solução e garantia de continuidade para a vida e também tem a sua lógica. No entanto, a vida é a verdadeira finalidade do mundo. Toda evolução do cosmo tende para ela, mas em certa ordem: mecanismo, vegetação, animalidade e homem.
O homem, porém, apesar de citado por último na ordem acima, é elemento indispensável para a filosofia, pois nele "se manifesta o fenômeno fundamental da consciência (...) a ação com suas condições formais - o sentimento e o conhecimento."
Para Farias Brito, a filosofia, a religião e a ciência não devem se hostilizar umas às outras, pois têm papéis definidos na sociedade e na formação da consciência e na finalidade universal, mas não são excludentes. A corrente positivista, dominante, está errada ao tentar impor apenas a ciência como referência para o desenvolvimento humano.
A filosofia é "o espírito interrogando a realidade e elaborando o conhecimento". A ciência, por sua vez, tem por fim "estabelecer o domínio do homem sobre a natureza". Para filosofar é necessário imaginação, tem-se que ler "no fundo da consciência", na busca do ideal e no sonho mais legítimo, "a verdade no pensamento, em correspondência com a luz da natureza".
A luz porém não será alcançada sem o auxílio da fé. Mas a fé também é um dos alvos da falsa ciência que tenta matá-la. Então é preciso mantê-la viva. Com que autoridade? Da consciência que sou. Aí está uma "Psicologia Transcendente" que também inclui o questionamento dos questionamentos: "O que há após a morte?" A ciência aqui revela-se incapaz e desautorizada, mas a filosofia auxilia a fé viva que responde através de seus fatos inegáveis ainda que inexplicáveis para a razão.
POST-SCRIPTUM:
A filosofia da consciência de Farias Brito nada perde em seriedade e capacidade argumentativa a qualquer outro pensador que possa ser tomado como referência (a grande maioria estrangeira e imposta aos alunos dos cursos de filosofia).