quarta-feira, 14 de maio de 2014

OS JORNAIS


[Texto de Rubem Braga publicado em PARA GOSTAR DE LER (Volume 5 - Crônicas) pela Editora Ática]


Meu amigo lança fora, alegremente, o jornal que está lendo e diz:

- Chega! Houve um desastre de trem na França, um acidente de mina na Inglaterra, um surto de peste na Índia. Você acredita nisso que os jornais dizem? Será o mundo assim, uma bola confusa, onde acontecem unicamente desastres e desgraças? Não! Os jornais é que falsificam a imagem do mundo.  Veja por exemplo aqui: em um subúrbio, um sapateiro matou a mulher que o traía. Eu não afirmo que isso seja mentira. Mas acontece que o jornal escolhe os fatos que noticia. O jornal quer fatos que sejam notícias, que tenham conteúdo jornalístico. Vejamos a história desse crime. "Durante os três primeiros anos o casal viveu imensamente feliz..." Você sabia disso? O jornal nunca publica uma nota assim:

"Anteontem, cerca de 21 horas, na rua Arlinda, no Méier, o sapateiro Augusto Ramos, de 28 anos, casado com a senhora Deolinda Brito Ramos, de 23 anos de idade, aproveitou-se de um momento em que sua consorte erguia os braços para segurar uma lâmpada para abraçá-la alegremente, dando-lhe beijos na garganta e na face, culminando em um beijo na orelha esquerda. Em vista disso, a senhora em questão voltou-se para o seu marido, beijando-o longamente na boca e murmurando as seguintes palavras: 'Meu amor', ao que ele retorquiu: 'Deolinda'. Na manhã seguinte, Augusto Ramos foi visto saindo de sua residência às 7:45 da manhã, isto é, dez minutos mais tarde do que o habitual, pois se demorou, a pedido de sua esposa, para consertar a gaiola de um canário-da-terra de propriedade do casal".

A impressão que a gente tem, lendo os jornais - continuou meu amigo - é que "lar" é um local destinado principalmente à prática de "uxoricídio". E dos bares, nem se fala. Imagine isto:

"Ontem, cerca de 10 horas da noite, o indivíduo Ananias Fonseca, de 28 anos, pedreiro, residente à rua Chiquinha, sem número, no Encantado, entrou no bar 'Flor Mineira', à rua Cruzeiro, 524, em companhia de seu colega Pedro Amâncio de Araújo, residente no mesmo endereço. Ambos entregaram-se a fartas libações alcoólicas e já se dispunham a deixar o botequim quando apareceu Joca de tal,  de residencia ignorada, antigo conhecido dos dois pedreiros, e que também estava visivelmente alcoolizado. 

Dirigindo-se aos dois amigos, Joca manifestou desejo de sentar-se à sua mesa, no que foi atendido. Passou então a pedir rodadas de conhaque, sendo servido pelo empregado do botequim, Joaquim Nunes. Depois de várias rodadas, Joca declarou que pagaria toda a despesa. Ananias e Pedro protestaram, alegando que eles já estavam na mesa antes. Joca, entretanto, insistiu, seguindo-se uma disputa entre os três homens, que terminou com a intervenção do referido empregado, que aceitou a nota que Joca lhe estendia.

No momento em que trouxe o troco, o garçom recebeu uma boa gorjeta, pelo que ficou contentíssimo, o mesmo acontecendo aos três amigos que se retiraram do bar alegremente, cantarolando sambas. Reina a maior paz no subúrbio do Encantado, e a noite foi bastante fresca, tendo dona Maria, sogra do comerciário Adalberto Ferreira, residente à rua Benedito, 14, senhora que sempre foi muito friorenta, chegado a puxar o cobertor, tendo depois sonhado que seu netinho lhe oferecia um pedaço de goiabada".

E meu amigo:

- Se um repórter redigir essas duas notas e levá-las a um secretário de redação, será chamado de louco. Porque os jornais noticiam tudo, tudo, menos uma coisa tão banal de que ninguém se lembra: a vida...


POST-SCRIPTUM:

Além de Rubem Braga, crônicas de Drummond, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos num futuro próximo!


MUITA MERDA!




É tanta merda acontecendo que dá até ânsia de vômito acompanhar. São demonstrações de racismo, gente inocente sendo espancada até a morte, desvio de verbas em obras públicas, a Petrobras indo pro buraco por conta de administradores corruptos e/ou incompetentes, prenúncios de guerra civil no leste europeu, o mundo árabe sob a constante ameaça de terrorismo, ufa! 

Como eu disse no começo, haja merda!

Mas tá tranquilo, a gente se acostuma com o tempo... só que não!

O século XXI caminha para uma nova Idade Média, com a diferença de ser informatizada. Dizem que até o fim do ano existirão tantos aparelhos celulares quanto seres humanos no mundo. E daí? Sei lá, era de se esperar que a humanidade tivesse evoluído um pouco mais após tanto tempo habitando esse planetinha, em todos os sentidos e não apenas tecnologicamente.

Enfim, quem sabe eu não esteja sendo pessimista e as coisas sejam assim mesmo. Ou quem sabe a salvação virá de repente, de onde menos se espera, como naquela música do Caetano Velloso.

Só não dá é pra ficar calado enquanto afundamos na merda. Se depender de mim vou continuar protestando, mesmo que não dê em nada.

Será que os governos em geral não enxergam que, por exemplo, a criminalização das drogas, sejam elas quais forem, só traz morte e decadência cada vez maior? Haja visto a quantidade de gente presa por envolvimento com o tráfico.

A manutenção dos sistemas judiciário e carcerário tem um custo altíssimo que seria melhor aplicado na saúde e na educação da população. Aí sim, poder-se-ia falar em condições mais humanas para os presos, que também são gente. Ou não?

Mas o que os políticos querem mesmo é aparecer na TV como celebridades, falando, falando, e não fazendo nada...


POST-SCRIPTUM:


POLÍTICOS: VÃO TODOS SE FUDER!