quarta-feira, 20 de abril de 2011

LOUCURA x 'BULLYING'



[Texto editado a partir da matéria publicada no jornal DESTAK em 11 de abril de 2011 sob o título “O mal existe”, de autoria de seu diretor editorial Fábio Santos]



Impossível evitar perguntas e não arriscar respostas diante de um episódio tão aterrador como o massacre de estudantes numa escola em Realengo, no Rio.

Matar crianças assim, como pode? Por quê?



Talvez seja essa a síntese de todas as indagações que percorrem nossas mentes assustadas frente à tamanha crueldade. 






Passados alguns dias da terrível tragédia, começa a se consolidar a idéia de que as ações de Wellington são fruto de uma mente perturbada que foi submetida à incompreensão e à crueldade de seus antigos colegas naquela mesma escola.

Ele teria sido uma vítima do chamado 'bullying', a palavra que incorporamos do inglês para descrever a crueldade infantil contra os mais fracos e menos adequados. Mas quanta gente foi alvo desse tipo de perseguição quando criança e não se torna um assassino?





Muitos se surpreenderam por esse ser um episódio raro no Brasil. "Agora importamos até crimes dos Estados Unidos", comentam alguns. Até parece que no tocante ao exercício da maldade precisamos importar algo. Wellington só é raro porque matou crianças dentro de uma escola.

Quem não se lembra da chacina da Candelária? Ali eram meninos de rua sendo mortos por policiais.

Onde estava a loucura?

E os jovens que queimaram um índio em Brasília?

Ou o grupo de garotos que espancou um mendigo até a morte na Paraíba ano passado?






POST-SCRIPTUM:



Não há como não concordar com as colocações do autor quanto à capacidade para a crueldade do brasileiro, que não deixa nada a dever ao norte-americano ou, diga-se de passagem, a nenhum outro povo da Terra.



Entretanto cabem alguns reparos quanto a seu questionamento em relação ao bullying, principalmente no que se refere ao fato de Wellington ter retornado ESPECIFICAMENTE àquela escola onde estudou.






Claro, ele certamente era um desequilibrado mental. Cometeria ele algum outro crime tão bárbaro quanto esse eventualmente, se não tivesse sido detido? Talvez sim, talvez não. Não há como ter certeza absoluta.



Assim como não há como ter certeza absoluta se não haveria outras partes envolvidas que teriam influenciado ou incentivado o assassino de alguma forma. Penso que a polícia não devia descartar tal hipótese sem uma investigação mais aprofundada, por menos provável que ela possa parecer.







Entretanto, a questão que parece escapar à maioria das pessoas é que Wellington voltou ESPECIFICAMENTE à escola onde estudou e onde sofreu as mais cruéis humilhações.



Tem-se feito muito alarde quanto à suposta esquizofrenia do assassino e quanto à fatalidade “imprevisível” de algo assim acontecer no Brasil, onde o povo é tão “pacífico” e “cordial”.







Ora, faça-me o favor! Se esse rapaz não tivesse sofrido bullying ESPECIFICAMENTE na escola onde estudou é de se supor que ele fosse descarregar suas frustrações em outro lugar e talvez mesmo de outra forma.



Até mesmo a loucura segue certos padrões, por mais ilógicos que pareçam. Wellington tinha com certeza a intenção de vingar-se de algo que ele identificava como insuportável em seu passado, no caso, aparentemente, os mal-tratos sofridos nas mãos de outros meninos e o desprezo por parte das meninas.





Talvez tenha mesmo pensado em matar aqueles que ele identificava como responsáveis diretos por suas experiências traumatizantes. Mas ele não era um alienado total: provavelmente percebera as dificuldades inerentes em localizar e matar cada um de seus algozes e, num processo muito comum de transferência, decidiu vingar-se do "ambiente mental" associado a seu trauma, o local ESPECÍFICO onde ocorrera sua vergonha, ou seja, a escola e os alunos lá presentes.



Ainda que outros e sem a menor relação aparente com aqueles a quem ele considerava culpados, ainda assim, em sua mente doentia, Wellington talvez os enxergasse por uma lógica míope como praticantes, sobre outras vítimas, das mesmas indignações por ele sofridas no passado naquela escola ESPECÍFICA.







E o argumento de que ele só queria matar meninas não se sustenta. Pelo menos dois meninos também foram alvejados e o número maior de vítimas do sexo feminino provavelmente seja um mero acaso ou coincidência. As meninas talvez fossem em maior número nas salas onde ele primeiro atacou e, se tivesse mais tempo para continuar sua missão macabra, penso que haveria mais vítimas do sexo masculino.



Ou, quem sabe, talvez a componente sexual associada a sua psicose o tivesse realmente levado a priorizar os alvos femininos, mas, de qualquer maneira, esse é apenas um detalhe: o fato concreto é que vidas inocentes foram tiradas em decorrência de circunstâncias bem ESPECÍFICAS e que poderiam ter sido evitadas. 








Os casos de bullying no Brasil e no resto do mundo são cada vez mais divulgados pela imprensa e denunciados tanto por quem o sofreu no passado como por suas atuais vítimas.



As mais variadas pesquisas referentes ao assunto dão conta de que, pelo menos, entre 40% a 60% da população em idade escolar sofre algum tipo de abuso físico ou psicológico tanto por parte dos colegas quanto – pasmem! – dos professores.







POST-SCRIPTUM:


Este é um assunto muito importante e que até pouco tempo atrás não merecia a devida atenção das autoridades. Esperemos que a partir de agora este panorama mude radicalmente e que a sociedade se conscientize de sua própria hipocrisia. Se oxalá assim acontecer, esta terá sido, infelizmente, a única e desagradável conseqüência positiva resultante do odioso ato de Wellington...