Quando se fala em Deus ou deuses vem-nos logo à consciência a concepção tradicional do termo conforme supostamente teria se cristalizado nas assim chamadas "mentes primitivas", e era a esse tipo de "deus" que tanto Marx, Freud ou mesmo Nietzsche se referiam, obviamente em contextos diversos.
Mas de lá para cá, graças a desenvolvimentos nas áreas da psicologia, da antropologia e da sociologia, muitas informações novas foram acrescentadas àquilo que veio a ser entendido como o "fenômeno religioso" - a partir de então considerado como inerente à elaboração do psiquismo humano, projetando-se tanto em sua produção artística quanto em suas relações socioculturais - informações estas a que os citados pensadores não tiveram acesso.
Isto não tem nada a ver com acreditar num ser todo-poderoso, eterno, onipotente e onipresente, ainda que ingenuamente antropomórfico ou, em outro extremo, acreditar numa inteligência teleológica que a tudo tenha gerado conscientemente - invisível mas invariavelmente concebida em moldes ridiculamente humanos - até porque tais raciocínios nos levam a contradições absurdas e sem solução.
Porém as idéias existem e Deus seria, antes de tudo, uma idéia radical, um conceito indefinível, um arquétipo, um "meme", e não necessariamente um ente concreto como as religiões tradicionais o querem, mesmo que certos atributos "divinos" (se ousarmos relativizar o termo e ao mesmo tempo nos permitir um exercício de especulação) possam ter sido incorporados - ou serão ainda, quem sabe - por determinadas entidades, materiais ou incorpóreas, orgânicas ou cibernéticas, na vastidão aparentemente caótica de possibilidades infinitas da multiplicidade e de alernativas aleatórias (ou nem tanto) do devir.
As idéias não podem ser responsabilizadas pelas concepções equivocadas daqueles que nelas acreditam e sim o oposto. O pensamento também evolui e se transforma, extraindo vida nova do contato e do intercâmbio entre as culturas e os indivíduos.
Certos conceitos, em virtude de seu próprio estatuto ontológico, tem força e podem mudar o mundo e as consciências, isso é incontestável. E é a concepção de algo como uma espécie de 'ponto zero', uma fonte praticamente inesgotável de energia que brota das trevas subjacentes à mente consciente, um poder difuso e ainda inexplicável - porém patente - o que, em última instância, dá sentido às tradições esotéricas e exotéricas da Antiguidade e posteriores (inclusive aquelas mais recentes) como, por exemplo, os oráculos délficos e o orfismo diosnisíaco da Grécia antiga, bem como outros rituais extáticos em diversas partes do globo e ao longo da História e da mitologia de todos os povos: o xamanismo dos povos nômades primitivos, o hermetismo egípcio, a intuição profética dos antigos hebreus, o zoroastrismo persa, o neoplatonismo, o budismo tântrico, o hinduísmo, o xintoísmo, a meditação zen, o candomblé, a Alquimia, a Gnose, o Espiritismo, etc.
Minha visão pessoal é de que tudo no universo estaria de alguma forma ligado a esta “fonte”, um campo fundamental (como na Física) que a tudo permeia, e que se manifestaria de forma mais visível nos seres vivos, notadamente no homem, sendo, em última análise, a origem do pensamento tanto em sua forma consciente quanto inconsciente; assim, a mente racional (assim como a irracional: a emoção e os instintos) seria não só o resultado de um impulso evolutivo de origem meramente eletro-química em direção a uma complexidade cada vez maior mas também de uma tendência imanente à realidade material e isto se evidenciaria mais claramente nas manifestações psíquicas relacionadas à intuição e a imaginação criativa.
A chave para uma melhor compreensão desta "força", em minha opinião, estaria no estudo aprofundado do inconsciente coletivo, conforme postulado pelo psicólogo Carl Gustav Jung, este "universo subterrâneo" que jaz semi-adormecido nas profundezas da mente humana.