domingo, 17 de fevereiro de 2013

POESIA MATEMÁTICA


Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que em aritmética, corresponde
A almas irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento 
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais,
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas
                                                          euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e 
                                                          pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma Perpendicular.

Convidaram para padrinhos

O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para 
                                                                  o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três
                                                                    cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a 
                                                        Relatividade
E tudo que era expúrio passou a a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.



[MILLÔR FERNANDES - PUBLICADA EM 'O PIF-PAF'/'O CRUZEIRO'/1949]

     

POST-SCRIPTUM:








Este texto foi extraído da edição "AMOSTRA BEM-HUMORADA", de Millôr Fernandes, publicada pela EDIOURO em 1997 e com a qual fui presenteado pelos colegas da UERJ, no meu aniversário, já lá se vão uma porrada de anos.



Obrigado Moysés, Viviane, Genilso, Wanderson, Juliana, Sérgio, Elaine, Adilson, Mônica, Nani e todos os outros que eu porventura tenha esquecido depois de tanto tempo. Um beijo pra todos!