domingo, 31 de maio de 2009

NADA NASCE DO NADA?





Gostaria de discutir o conceito de nada subentendido em afirmações do tipo "nada nasce do nada"; podemos definir com exatidão o conceito de "nada"? Em princípio, a intuição mais imediata que poderíamos ter a respeito do mesmo seria pensar em termos de não-existência em oposição à existência; ou seja, o “nada” seria então um “não-conceito”. Mas, se ele é pensável de alguma forma, deveríamos ser capazes de conceituá-lo; ou não?

É isso que, com algum esforço de imaginação, pretendemos tentar aqui, tomando de empréstimo algumas das idéias derivadas das meditações de Heidegger, Nietzsche e Wittgenstein, por exemplo, bem como da filosofia do Existencialismo, da Mecânica Quântica na Física, da Teoria dos Conjuntos e da Álgebra Booleana na Matemática, do Taoísmo chinês e das intuições poéticas de Hesíodo, Heráclito e Parmênides.

Primeiramente vamos imaginar que, mesmo enquanto algo que “não é”, o Nada possa se pensado como algo que “é”, na medida em que ele é pronunciável, ou seja, existe a possibilidade de se dizer alguma coisa a seu respeito; por mais absurdo que pareça, e contra toda lógica convencional, poderíamos propor-lhe uma “identidade”, a título de exercício de abstração, que pudesse ser definida?

Tendo em vista esta proposta, o Nada, enquanto “inexistente”, poderia ser “classificado”? E como fazê-lo? Seria lícito começar nos indagando de que maneira a não-existência se manifestaria enquanto idéia, ou como produto do pensamento, dentro dos limites que nossa imaginação permite conceber o Nada enquanto algo que “é”, ainda que contra toda intuição que nos leva a afirmar que ele “não é”.

Neste contexto, portanto, caberia fazermos as seguintes perguntas:

Seria o Nada um componente extrafísico da realidade, algo como a exdrúxula "matéria escura" do Universo (à qual os físicos atribuem inclusive "gravidade negativa"), concomitante à existência empírica, porém, para quase todos os efeitos, virtualmente indetectável?

Ou seria algo como um estado quântico da matéria, uma alternativa à existência material?

Seria o Nada passível de constituir-se como uma "antirealidade" física (em analogia à antimatéria) localizada numa dimensão à parte da existência convencional?

Ou seria tão somente a representação de uma idéia sem substância, mera convenção linguística, e, portanto apenas simbólico da ausência total?

Seria o Nada a "essência última" da realidade, sendo todo o resto uma "mera ilusão"?

Ou seria ele próprio apenas um produto de nossa imaginação delirante, não tendo qualquer sentido prático ou teórico?

Essas perguntas abrem um leque de possibilidades filosóficas. Uma resposta estritamente “racional” seria a de que "tanto faz": o Nada, por definição, não existe, como já observamos.

Entretanto, "alguma coisa" existe em contrapartida a “coisa nenhuma” e está em perpétua tensão conceitual com a não-existência pela via da relação de oposição bem concreta entre a vida e a morte, por exemplo; portanto, algum Nada participa da existência humana em seu aspecto tanto psíquico quanto físico, na medida em que a morte é um evento observável e, até certo ponto, quantificável enquanto parte integrante e indissociável do fenômeno da vida; ele tem sem dúvida um sentido simbólico e gramatical, mas tem também um sentido existencial e trágico, o que me permite tratá-lo – o Nada – como "alguma coisa" atualizável, pelo menos em teoria.

O próximo passo seria admitir que o Nada possuísse uma "existência" bizarra e peculiar, participando efetiva e simultaneamente na elaboração de minhas definições de atual e potencial, real e imaginário, concreto e abstrato, adquirindo, assim, características paradoxais tanto de absoluto quanto de relativo; um nada "impuro", híbrido, tautológico enquanto gerador de infinitos positivos e negativos auto-aniquilantes e ainda assim atualizáveis, imóvel enquanto condição e "ponto de partida" de todo movimento, simultaneamente transcendente e imanente a si próprio, capaz de desdobrar-se e projetar-se em emanações contínuas, contaminadas por um movimento de negação da negação (e portanto de superação da superação); circular e perpétuo, simultaneamente ascendente e descendente, centrífugo e centrípeto, acumulativo e dissipativo, desviante e autoreferente; imbuído, portanto, da tendência a vir a ser tudo, ou melhor, qualquer coisa.

Teríamos então, em nossas mãos, expressando-nos poeticamente, o Kaos descrito na "Teogonia" de Hesíodo, mas inserido em um equilíbrio dinâmico e bipolar, melhor representado, talvez, pelo símbolo taoísta da dualidade yin/yang (positivo/negativo), pleno de vida, mas também de morte, com potencial tanto para a criação quanto para a destruição, em tensão e em movimento, capaz de realizar pequenas mudanças ou grandes transformações, o "paradoxo original".

Tudo isso nos leva a pensar nos pares virtuais partícula/antipartícula da física, surgindo e se aniquilando em seguida no vácuo quântico, que é, por definição, um "espaço vazio". Mas o espaço é também um campo, ainda segundo as definições da física e, de acordo com o princípio da incerteza de Heisenberg, nenhum campo pode medir precisamente zero, pois sempre haverá uma incerteza mínima, que pode ser imaginada como uma variação minúscula que vai de um valor ligeiramente superior a zero (positivo) a outro ligeiramente inferior a zero (negativo), mas nunca efetivamente zero.

Como não podemos ter o “nada” manifestado como presença, já que ele é a própria definição de ausência, temos pares de partículas virtuais entrando e saindo da realidade, o que explica as oscilações mínimas acima e abaixo de zero, um exemplo típico da manifestação daquele equilíbrio dinâmico que descrevemos acima.

O “nada”, ou melhor, o “vazio”, é também um conceito pertinente à Teoria dos Conjuntos na matemática. O conjunto vazio dá origem, no que poderia ser descrito como uma espécie de "mágica" determinada pela axiomática, a partir de sua própria admissão, a toda infinidade numérica natural. Ele é o “pano de fundo” a partir do qual qualquer apresentação de um evento se faz possível, como diria o filósofo francês Alain Badiou.

Por outro lado o algarismo “zero”, apesar de aritmeticamente simbolizar a ausência total é, paradoxalmente, ainda segundo a Teoria dos Conjuntos, elemento de um conjunto unitário. Este "monoteísmo cabalístico" de uma lógica aparentemente surrealista tem o potencial para gerar uma infinidade de "deuses" aritméticos: { } = 0; {0} = 1; {0, 0} = 2; {0,0,0} = 3; e assim sucessivamente.

Por outro lado, podemos entender a sequência dos números inteiros, positivos e negativos, como um truísmo onde 0 = 0, já que tanto o infinito positivo quanto o infinito negativo tendem a anular-se mutuamente (+1-1 = 0; +2-2 = 0; +3-3 = 0; etc, etc, etc).

Só para reforçar nossa argumentação, podemos citar também a forma como se representam os algarismos na lógica binária (utilizando-se apenas as cifras 0 e 1), que é utilizada como ponto de partida para qualquer tecnologia baseada na eletricidade; o “um” simboliza um circuito fechado e o “zero”, um circuito aberto, ou seja, a passagem livre ou não de uma corrente elétrica, analogamente à existência e à não-existência, o “ser” e o “não-ser”. Por exemplo, na conversão do sistema decimal para o binário, temos que: 0 = 0000, 1 = 0001, 2 = 0010, 3 = 0011, 4 = 0100, 5 = 0101, 6 = 0110, 7 = 0111, 8 = 1000, 9 = 1001 e 10 = 1010, obedecendo-se sempre ao mesmo raciocínio de alternância de “zeros” e “uns” na sequência que se pretenda representar.

O matemático indiano Pingala apresentou a primeira descrição conhecida de um sistema numérico binário no século III a.C. e um conjunto de 64 hexagramas, análogos a números binários, foi utilizado pelos antigos chineses no texto clássico do “I Ching”. Conjuntos similares de combinações binárias foram utilizados em sistemas africanos de adivinhação tais como o “Ifá”, bem como na geomancia praticada na Idade Média.

O sistema numérico binário moderno foi documentado de forma abrangente por Leibnitz no século XVIII e em 1854, o matemático britânico George Boole publicou um artigo fundamental detalhando um sistema lógico que se tornaria essencial para o desenvolvimento do sistema binário, particularmente em sua aplicação a circuitos eletrônicos.

O sistema binário é base para a álgebra booleana, que permite fazer operações lógicas e aritméticas usando-se apenas dois dígitos ou dois estados (sim ou não, verdadeiro ou falso, tudo ou nada, 1 ou 0, ligado ou desligado). Toda eletrônica digital e computação está baseada nesse sistema binário e na lógica de Boole, que permite representar por circuitos eletrônicos digitais (portas lógicas) os números e caracteres, além de realizar operações lógicas e aritméticas. Os programas de computadores são codificados sob forma binária e armazenados nas mídias (memórias, discos, etc.) sob esse formato.

Ainda neste contexto aparentemente onírico, mas nem por isso menos real, temos os surpreendentes conjuntos dos números irracionais e o dos números imaginários, os quais, apesar de sua existência simbólica na representação de relações abstratas, são indispensáveis aos cálculos necessários para a construção de uma bem concreta usina hidroelétrica, por exemplo.

Tudo isso nos leva a pensar que talvez devamos concordar com Nietzsche, para quem "a concretude só foi inventada para se adaptar às exigências da lógica” e não o contrário, ou seja, a Matemática, com seus “zeros” e “uns”, infinitos positivos e negativos, cálculos diferenciais e integrais, raízes quadradas sem coeficientes reais, “pi”, “aleph” e outras abstrações simbólicas, tem uma existência mais concreta, parafraseando Shakespeare, do que supõe a nossa vã lógica intuitiva.

Eis aí "Deus". Agora posso afirmar que ele existe e é binário; mas porque só um (que na verdade é dois)? Não, ele é também a síntese decorrente de uma dialética trágica que nos remete à admissão do terceiro excluído de Aristóteles no contexto de uma lógica paraconsistente, portanto três. Uma "Santíssima Trindade"?

Aliás, posso recorrer a tantos deuses ou atributos divinos (os números naturais não passam da repetição do mesmo "1", 'ad infinitum') quanto achar necessário para me manter "no bom combate". Projeto-me neles e quero ser "sua imagem e semelhança"; eles e eu somos o falso fingindo ser verdadeiro; somos, simultaneamente, os autores e os atores de uma peça de teatro ("play", em inglês, que também significa jogo, brincadeira) tanto particular quanto coletiva. Mas é um jogo só aparentemente sem regras, muito divertido, mas ao mesmo tempo muito sério; um campo de batalha para guerreiros que se querem imortais e um terreno fértil para a semeadura da glória e do horror.

Assim sendo, à nenhuma instância é lícito reivindicar uma tal autoridade que seja capaz de negar o direito ao desvario da poesia ("poiesis" = criação), essa matriz virtual de toda mitologia, que permite fazer convergir, ao mesmo tempo, por exemplo, o alfa e o ômega do cristianismo, o "übermench" de Nietzsche, os avatares do Hinduísmo, ou mesmo a infinidade de messias e heróis forjadores de lendas, reais ou imaginários, que estão sempre presentes em qualquer cultura, manifestações do Ser de Heidegger, concretizado em alguns entes privilegiados, "mais privilegiados" que a maioria.

Dizem que a vida imita a arte; cabe a nós, imbuídos de certa indiferença trágica, fazermos com que este adágio seja algo mais do que simples palavras para que possamos dar sentido à existência, nos perpetuando em espírito da forma como indica Krishna ao incentivar Arjuna para a guerra contra seus primos no mito do "Bhagavad Gita", alegoria da busca pela realização completa de nosso potencial enquanto seres vivos.

Não podemos nos esquecer também que, como disse Protágoras (e de certa maneira ele tinha razão), "o homem é a medida de todas as coisas". E que é a partir do homem que há de surgir o "para-além-do-homem", desde que escolha as ferramentas mais eficazes à sua disposição neste percurso. A matemática, a música, a poesia e a filosofia estão, sem sombra de dúvida, entre elas, ainda que o intercambio entre as mesmas não seja atualmente tão fecundo quanto já foi ou ainda pode vir a ser.


POST-SCRIPTUM:


Viagem pouca é bobagem; aliás essa cannabis é mesmo da melhor qualidade...




terça-feira, 26 de maio de 2009

FÍSICA QUÂNTICA




























A física quântica surgiu no início do século XX como resultado da tentativa da ciência em explicar a natureza naquilo que ela tem de menor: os constituintes básicos da matéria. É uma parte da física que se costuma considerar como sendo não-intuitiva. Isso significa que muito de seu conteúdo parece não ser absolutamente verdadeiro. Por exemplo, a dualidade onda-partícula diz que tais constituintes básicos se comportam ora como partículas ora como ondas. Portanto, em certo sentido, a realidade pode ser descrita como sendo contínua e descontínua simultaneamente.

A descontinuidade se dá entre uma partícula e outra, sejam elas fótons, elétrons, prótons, etc. Estas são como pequenos "pacotes" digitais (em latim ‘quanta’, plural de ‘quantum’, daí o nome ‘quântica’), discretos e descontínuos entre si. Quanto ao aspecto da continuidade, uma analogia com as ondas do mar pode falicitar a compreensão, mas não é estritamente rigorosa; entretanto não há nada de absurdo em sua aplicabilidade, assim como numa analogia com as ondas de TV ou rádio. A diferença objetiva é que tratam-se de ondas de probabilidade e não há porque complicar demasiadamente uma descrição que por si só já é dificil de ser compreendida. O fato é que tais "pacotes" se comportam ora como partícula, ora como onda, e é esse o cerne da questão.

Esta é uma afirmação no mínimo estranha, bizarra. Mas é o que acontece na natureza em seu aspecto mais fundamental. Analogamente, no nosso dia-a-dia podemos ter a impressão de que vivemos num planeta de superfície plana, como decorrência de uma noção intuitiva, mas tal noção não corresponde à realidade, já que nosso mundo é sabidamente arredondado, esferoidal.





























No mundo em que vivemos ondas são muito diferentes de objetos. Porém se tivéssemos o tamanho de átomos tudo se comportaria como uma onda de vez em quando e como partícula em outras vezes. Essa é uma das consequências mais bizarras da física quântica, mais corretamente chamada de mecânica quântica por ser algo como uma contraposição a assim chamada mecânica clássica (a física newtoniana que rege o nosso mundo macroscópico do dia-a-dia), a qual, por sua vez, tem esse nome por uma questão de coerência histórica, uma vez que o estudo dos movimentos da matéria é chamado de mecânica desde os primórdios da física enquanto disciplina dedicada a explicar os fenômenos da natureza. Além do mais, a mecânica quântica não é exatamente uma ‘outra’ física, sendo mais especificamente uma decorrência do estudo continuado de um aspecto dessa mesma disciplina científica.

Note-se que a mecânica clássica, a partir das descobertas da mecânica quântica, não deixou de ter valor de uma hora pra outra. A questão é que os fenômenos quânticos só se tornam perceptíveis em dimensões de tamanho muitíssimo pequenas, sendo os mesmos individualmente insignificantes para nossa experiência diária.

A mecânica clássica passou, assim, a ser considerada como apenas uma aproximação suficientemente adequada para lidar com nossa realidade cotidiana, que ocorre numa escala dita macroscópica porque cercada por objetos que podemos enxergar sem a ajuda de lentes ou microscópios atômicos. Já a mecânica quântica lida com coisas tremendamente pequenas, que se comportam de forma completamente diversa e, por não ser intuitiva, chegou até mesmo a ser considerada como uma falsa teoria. O próprio Einstein (que, ironicamente, foi um dos que mais contribuíram para o seu advento) acreditava que a mesma estava provavelmente equivocada. Mas com o passar do tempo percebeu-se que ela explicava tão bem o resultado das experiências que não havia como fugir de suas conclusões, por mais estranhas que pudessem parecer a primeira vista.

























Todo objeto em nosso universo é feito de átomos, até algum tampo atrás considerados como a menor unidade possível de matéria. Entretanto, hoje sabe-se que os átomos são feitos de coisas menores chamadas quarks e elétrons, mas não se tem certeza se os quarks são também feitos de coisas ainda menores. Os átomos, elétrons, quarks e fótons (outra coisa muito pequena sobre a qual ainda pouco se sabe, a não ser que é aquilo de que é composta toda forma de radiação eletromagnética, inclusive a luz) tem um comportamento bizarro: nunca podemos saber exatamente onde estão. Não é por falta de instrumentos mais potentes, mas sim em decorrência de uma lei da física chamada “princípio da incerteza de Heinsenberg”, que diz que nunca saberemos a exata posição dessas partículas.

Nunca saberemos onde os elétrons individuais de um átomo estão exatamente. Isto é algo que se nos afigura, no mínimo, como deveras estranho, mas que deve ser compreendido para que se possa melhor assimilar suas consequências. Há elétrons que inclusive somem de um lugar e reaparecem em outro, algo como uma espécie de teletransporte. Simplesmente não há como saber que caminho seguiram para ir de cá para lá; só sabemos que eles se comportam desta forma.

Este é um dos fenômenos mais bizarros na mecânica quântica, mas há outros tão ou até mesmo mais estranhos do que esse. Há elementos radioativos, como o urânio, por exemplo, cujos átomos explodem sem mais nem menos, como que “do nada”. Nunca podemos saber quais átomos vão explodir ou quando, só que alguns vão e outros não. Aparentemente não existe uma causa direta que explique o fato deles explodirem, mas eles explodem mesmo assim e de forma totalmente aleatória. Isto irritou tanto a Einstein que ele chegou a declarar que "Deus não joga dados com o universo" por não se conformar com a imprevisibilidade inerente à natureza, o que levou Niels Bohr, outro eminente físico, reconhecido como um dos principais formuladores da nova teoria, a responder de forma irônica que “Deus é o próprio jogo”.

A partir de tais considerações, portanto, podemos dizer que a conclusão mais importante decorrente da descrição da realidade que a mecânica quântica fornece é a de que existe um fator de indeterminação na natureza, que se torna mais patente na esfera do extremamente pequeno, mais precisamente no nível atômico, que não é derivado da imprecisão dos instrumentos, mas sim de uma característica inerente à própria realidade.

Exatamente: tal indeterminação não é decorrente da imprecisão dos instrumentos. Tanto que tem o nome de "princípio da incerteza" e não de "teoria da incerteza". E essa é uma conclusão a que chegaram os físicos a partir de experimentos reproduzíveis e não de meras hipóteses, sendo esta indeterminação passível de ser comprovado matemática e empiricamente.

Mas existem alguns problemas. Estamos, sem dúvida, falando sobre o que podemos observar, mas não em termos totalmente objetivos, na medida em que esta observação é feita por inferição indireta, a partir de impressões fotográficas em placas de materiais quimicamente tratados, por exemplo; não é como se você apontasse um microscópio eletrônico para um átomo e o observasse diretamente. Além do mais, há também a questão decorrente do fato de que toda observação necessariamente altera o estado da partícula observada, seja sua posição ou sua velocidade; e a partir da medição de uma pode-se extrapolar a outra com alguma margem de erro, porém nunca ambas ao mesmo tempo e com precisão absoluta.

Segundo o princípio da incerteza é ABSOLUTAMENTE IMPOSSÍVEL determinar ao mesmo tempo a velocidade e a posição de uma partícula. Quanto mais precisa for a medição de um dos fatores invariavelmente mais imprecisa deverá ser a do outro. E isso não depende da qualidade ou da capacidade de qualquer instrumento, é uma característica da natureza da matéria.




























Mas e daí? Em que isso interfere na nossa rotina diária?

Essa é uma pergunta muito pertinente. À primeira vista a resposta teria que ser “absolutamente nada”. Afinal de contas as primeiras formulações da mecânica quântica aconteceram no início do século passado e de lá pra cá isso não afetou a vida de quase ninguém, ou pelo menos a de quem não tinha conhecimento de sua existência.

Mas paremos para pensar com mais atenção. Mesmo depois de tanto tempo ainda estão sendo avaliadas as sutis implicações filosóficas, e por que não dizer, também, as consequências psicológicas e culturais decorrentes dessa verdadeira revolução científica, as quais provavelmente só se farão sentir de forma ampla e consistente depois de devidamente digeridas pelo imaginário popular da humanidade, o que demanda um certo período de amadurecimento.

Obviamente, e como sempre, a arte chegou na frente. O movimento literário e nas artes plásticas conhecido como Surrealismo nunca escondeu a influência que sofreu das ideias da mecânica quântica, usando e abusando de suas implicações, entre elas a de que a interpretação da realidade fornecida pela mesma nos leva a conclusão de que, de certa forma, todos nós vivemos imersos numa grande ilusão, algo similar a noção de “maya” professada pelo hinduísmo.

Seria lícito ir tão longe, a ponto de especularmos se tudo em nosso mundo não passaria efetivamente de apenas mais uma construção da mente, gerada a partir da interpretação de dados colhidos pelos órgãos dos sentidos e processados no cérebro, numa elaboração coletiva que decorre, provavelmente, de nossa programação genética comum?

Que cada um medite sobre isso e tire o melhor proveito que puder.


quinta-feira, 21 de maio de 2009

MATRIX COMPLETA 10 ANOS



O filme "Matrix", dirigido pelos irmãos Wachowski e protagonizado por Keanu Reeves no papel de Neo, foi lançado em 1999, completando, portanto, este ano, seu décimo aniversário. Um produto da estética pós-moderna, "Matrix" faz uma espécie de bricolagem de vários elementos: ficção-científica, histórias-em-quadrinhos, filosofia, religião, informática, literatura 'cyberpunk', etc.

O enredo é repleto de mensagens sutis, dentre as quais a de que a máquina jamais controlará o homem, pois o comportamento das mesmas é baseado numa programação rígida, sem lugar para a criatividade, podendo, portanto, ser superado pela maior complexidade da mente humana, a qual transcende a simples racionalidade da lógica ao constituir a integralidade psicológica total do homem. Por isso as mensagens do 'Oráculo', uma senhora que cozinha biscoitos, são aparentemente equivocadas e ilógicas, mas ao final condizem com a realidade.

Mas será que o mundo da 'matrix' é apenas uma ilusão ou é tão real quanto o mundo físico? A questão filosófica principal que o filme traz é justamente essa: "O que é o real?"

A 'matrix' é programada de forma que o objetivo daqueles que nela estão imersos seja o mesmo que na vida real, ou seja, adquirir 'status' social e bens materiais, além de exibir os símbolos deste poder para uma 'audiência' que está dormindo e sonhando. O segredo consiste em escapulir desta 'matrix' e retornar ao mundo real onde as projeções são baseadas em interações moleculares com os órgãos dos sentidos.

Quando alguém se desliga do mundo de sonhos da 'matrix' não está ele ainda vivendo num mundo projetado? Será que faz diferença se os sinais elétricos no cérebro são estimulados por filamentos metálicos inseridos na coluna vertebral ou por partículas subatômicas interagindo com os terminais nervosos? Qual a linha divisória entre o real e o não-real?

A 'matrix' pode ser entendida, portanto, como tão literalmente real quanto o mundo físico. Um personagem diz no filme que "a matrix pode ser mais real do que o mundo real", o que é bem significativo. Obviamente, a 'matrix' não é real, apenas uma ilusão imposta à mente. E, da mesma forma, podemos dizer o mesmo do mundo físico. A única coisa real dentro da 'matrix' são as pessoas inconscientes, vítimas de ilusões. Não seria o mesmo raciocínio aplicável em relação ao "mundo real"?

Assim sendo, desligar-se do mundo físico a fim de adentrar uma "outra realidade" ainda significa estar ligado a uma ilusão necessariamente projetada na mente de uma forma ou de outra. Portanto, desligar-se verdadeiramente me parece ser um pouco mais difícil do que simplesmente escapar para outra ilusão, seja ela qual for.

"O Tao que pode ser expresso não é o Tao eterno" - Tao Te Ching


domingo, 17 de maio de 2009

A ARTE E A INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO































Penso que a verdadeira arte nunca perderá suas características fundamentais, mesmo quando eventualmente se utilize das linguagens da produção cultural de massas como matéria-prima para expressar-se, como nos casos da arte moderna ou da pop-art dos anos 60, por exemplo. Quanto ao fenômeno específico da indústria do entretenimento, condena-lo simplesmente é uma atitude no mínimo inócua. Caberia antes, isto sim, procurar compreendê-lo pragmaticamente - sua gênese, consequências e relevância para a sociedade e o indivíduo - através de ferramentas antropológicas e sociológicas específicas e pertinentes.

Observando mais atentamente o preconceito disseminado com relação a certos veículos de comunicação de massa como a TV e as histórias-em-quadrinhos (também conhecida como 'banda desenhada' em Portugal ou 'comics' nos países de língua inglesa) podemos traçar um paralelo com o cinema em seus primórdios, por exemplo.

A produção cinematográfica, nos dias de hoje, apresenta um perfil nitidamente empresarial ligado à indústria do entretenimento, não obstante as pretenções artísticas de alguns diretores. Apesar disso não há como negar ao cinema atual o 'status' merecido de forma de arte contemporânea, dotada de linguagem própria e padrões específicos de avaliação, tendo em vista os resultados no mínimo interessantes por ele alcançados. Entretanto, quando surgiu, no início do século XX, o cinema era visto tão somente como uma curiosidade sem futuro.

O mesmo raciocínio, respeitadas as características, limitações e potencialidades específicas de cada veículo, poderia ser estendido às HQs e a televisão. Em sua essência elas são neutras, mas o uso que se fizer delas atualmente pode ter um alcance e uma significação diferenciados no futuro.

E a internet? Será que algum dia poderemos falar numa "arte internética"? É um caso a se pensar...


quinta-feira, 7 de maio de 2009

A ELOQUÊNCIA DO SILÊNCIO E O PODER DO SÍMBOLO



























Ao longo da história do pensamento, uma cisão conceitual foi estabelecida com o intuito de dar conta da complexidade existencial humana, notadamente a divisão mais ou menos natural entre o que se convencionou chamar de corpo, mente, alma e espírito (ou outros termos similares) enquanto correlatos para a ação, a reflexão, a emoção e a intuição, independente de como cada um os interprete.

Segundo os ensinamentos do zen-budismo e do taoismo, tal distinção seria, até certo ponto e em mais de um sentido, apenas aparente e ilusória, na medida em que pudermos entende-la, penso eu, como a manifestação de aspectos meramente parciais de um mesmo evento (grosso modo, como os lados de um quadrado) que, quando submetido às regras do discurso, perde muito da eloquência que o silêncio lhe empresta, uma vez que transcende dialeticamente, por exemplo, os argumentos tradicionalmente utilizados na guerra ideológica entre as ciências naturais e as religiões organizadas.

Entretanto, até o silêncio do vazio pode ser expresso por palavras. As palavras são símbolos e é essa característica que permite à diversas formas de linguagem manifestar tanto a presença quanto a ausência; que o digam a matemática, a poesia e a música.