quinta-feira, 15 de maio de 2014

SERENDIPIDADE


[Editado de um artigo de Bolívar Torres publicado no caderno Prosa & Verso do jornal O GLOBO]



Inventado em 1754 pelo inglês Horace Walpole, o termo serendipidade expressa um conceito velho como o mundo: a arte de encontrar o que não se está procurando. Sua origem está na milenar lenda oriental "Os três príncipes de Serendip", sobre viajantes que, ao longo do caminho, fazem descobertas felizes sem nenhuma relação com seu objetivo original.

Trata-se de um estado de espírito, um poder de percepção aberto à experiência, à curiosidade, ao acaso e à imaginação, que ao longo dos séculos esteve na origem de grandes eventos históricos (como a invenção acidental da penicilina por Alexander Fleming ou a descoberta da América por Cristóvão Colombo).

Embora obscura e de difícil pronuncia, a palavra está cada vez mais presente em pesquisas acadêmicas. Esquecido por muito tempo, o conceito virou bandeira de diversos especialistas, que encontraram na antiga lenda oriental um contraponto a uma sociedade demasiadamente controlada e programada, que não deixa margem para o risco e as descobertas fortuitas.

Em artigos, livros e conferências, eles lamentam a perda da capacidade de se deixar levar pelo acaso, seja na pesquisa científica, nas relações sociais e até mesmo na internet, onde os caminhos antes sinuosos do hipertexto se encontram ameaçados.

A própria lógica do mundo contemporâneo, dividido em nichos e grupos de afinidades, não promoveria o espírito explorador. Este é um fenômeno crescente tanto na estrutura de nossas cidades, fragmentada em guetos sociais, culturais e econômicos, quanto na mentalidade comunitária que tomou conta da internet.

Como os sistemas de pesquisa, os aplicativos para celular e os filtros das redes sociais nos oferecem a possibilidade de buscar exatamente aquilo que queremos (ou, pelo menos, aquilo que acreditamos que queremos), estaríamos, em todos os aspectos de nossas vidas, trocando o risco pela segurança.


POST-SCRIPTUM:

Serendipidade e risco estão intimamente conectados. E um dos problemas do mundo contemporâneo é que não há estímulo para o risco.