[Texto de Gonçalo M. Tavares publicado no caderno Prosa & Verso do jornal O GLOBO]
Não te leves demasiado a sério, mas leva a sério o mundo.
Lembro-me do vídeo, mas não do autor. De repente, à nossa frente no ecrã, estava uma bela mulher nua, deitada. Uns seios belos e uma pele que fazia com que o olhar se esquecesse de que existem mais coisas no mundo.
Parece dormir, a bela mulher, os olhos estão fechados.
Por segundos quem vê está na cadeira do desejo e da excitação. E nesses pequenos segundos balança nessa cadeira de um lado para o outro, como que à procura da melhor localização dos seus olhos em relação ao ecrã.
Alguém se aproxima. Está vestido de branco, um homem. Para quem vê a expectativa dirige-se para o que de sexual existe na situação. A cadeira parece um pouco mais desconfortável, estamos perante um vídeo, mas o nosso corpo move-se como se alguém o agitasse.
Subitamente, um pequeno objeto na mão do homem faz um corte brutal no tronco da mulher. Os seios caem, um para cada lado, como sacos. Um mundo acaba. Queremos fugir da cadeira, mas não fugimos antes de perceber que estamos perante a filmagem de uma autópsia. Aquela mulher estava morta há muito. Aquele homem estava a cumprir uma função, era um profissional.
O que choca neste vídeo é o mísero segundo que basta para se passar do desejo para a repugnância. O interior de um corpo é tirado para fora e o belo percebe-se finalmente como uma superfície, uma camada finíssima que se pode quebrar a qualquer momento.
Entre o belo e o horror não apenas o intervalo de um segundo, mas o intervalo de uma camada de pele; a distância: uns milímetros.
POST-SCRIPTUM:
Ah, a beleza, fugaz por natureza...