quinta-feira, 20 de março de 2014

LOLLAPALOOZA E LOBÃO



[Editado do capítulo 4 ('Por que o rock continua errando') do livro MANIFESTO DO NADA NA TERRA DO NUNCA, escrito por Lobão e publicado pela Editora Nova Fronteira]


Por que será que aqui no Brasil nós temos tanta dificuldade em lidar com esse tal de roquenrou?

Ao invés de haver uma infraestrutura no nosso dia a dia - que permita a esse tipo de cultura existir de forma normal, prosperar e, assim, por merecimento e vontade do público e do empresário, ingressar pela porta da frente dos festivais -, acabam por enfiar os artistas brasileiros em palcos coadjuvantes, em horários pouco significativos, com visibilidade, som, luz, tudo sensivelmente inferior.

Agora, se você tentar modificar a situação, como aconteceu comigo no bisonho "episódio Lollapalooza", você se fode de verde e amarelo.

Contarei a história como se passou:
Fui contratado pela produção do festival Lollapalooza para tocar em sua primeira edição brasileira, fato esse que muito me entusiasmou por ser um festival mais para o alternativo, sem a grandiloquência de um 'Rock in Rio'.

Já havia uma promessa contratual escrita e, às vésperas do evento, a inevitável assinatura do contrato definitivo. Foi quando me deu um estalo e cismei em telefonar para o produtor nacional do festival para saber de mais detalhes. Aí a coisa encrencou. 

O nosso estimado produtor me esclareceu efusivamente que eu iria tocar no horário "filé" das bandas nacionais, o que muito me deixou espantado, pois, de cara, já revelava um apartheid entre as bandas nacionais  e as internacionais. Algo estranhíssimo para aquele festival de cunho alternativo, cuja tradição era de incrementar a integração das bandas, e o que estava me sendo informado era justamente o contrário. 

Eu exclamei assustado: "Mas o que é isso? Assim é muito barra pessada! Apartar os artistas brasileiros do resto do festival é no mínimo esculhambante!"

Ele tentou me explicar que o festival tinha suas regras quanto à escolha do line-up, que havia sido uma exigência "dos gringos" e que não me preocupasse com o horário, pois era um festival de características diurnas, e eu voltei à carga alegando saber disso tudo, mas as atrações "filés" começariam a tocar ao cair da tarde, quando o sistema de luz faz a diferença, e eu só tocaria se fosse incluído para tocar pelo menos no fim da tarde, mas às duas da tarde, de jeito nenhum.

Ele tentou me alertar mais uma vez sobre o fato de "os gringos serem durões" e terem regras muito restritas em relação aos artistas brasileiros e que não havia essa opção: ou eu tocava às duas da tarde ou nada feito.

Nada feito. qual seria o problema em integrar todos os artistas de todos os lugares? Por que criar essa situação de afastamento de grupos?

Apesar de tudo isso, sou um otimista. Não vejo motivo real para nos colocarmos tão vacilantes e inseguros sempre que nos metemos em relações internacionais, exceto por termos entranhada essa mentalidade insular que nos aparta do mundo exterior. Um pouco de petulância não faz mal a ninguém.


POST-SCRIPTUM: 




Não sei como será o festival este ano, que ocorrerá nos dias 5 e 6 de abril, mas espero sinceramente que tenham abolido o apartheid entre as bandas nacionais e gringas.   

 

DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS!





[Foto de Napoleão F. da Silva]



Entrevista com o líder do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, ao jornal O Globo. Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema.




O GLOBO: Você é do PCC?


- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível… vocês nunca me olharam durante décadas… E antigamente era mole resolver o problema da miséria… O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias… A solução é que nunca vinha… Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas… Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo… Nós somos o início tardio de vossa consciência social… Viu? Sou culto… Leio Dante na prisão…


O GLOBO: – Mas… a solução seria…


- Solução? Não há mais solução, cara… A própria idéia de “solução” já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma “tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC…) e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios…). E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.


O GLOBO: – Você não têm medo de morrer?


- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá fora…. Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba… Estamos no centro do Insolúvel, mesmo… Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala… Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em “seja marginal, seja herói”? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha… Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante… mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.


O GLOBO: – O que mudou nas periferias?


- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório… Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no “microondas”… ha, ha… Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.


O GLOBO: – Mas o que devemos fazer?


- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas… O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a guerra”. Não há perspectiva de êxito… Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas… A gente já tem até foguete anti-tanques… Se bobear, vão rolar uns Stingers aí… Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas… Aliás, a gente acaba arranjando também “umazinha”, daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou? Ipanema radioativa?


O GLOBO: – Mas… não haveria solução?


- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a “normalidade”. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco…na boa… na moral… Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês… não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate!” Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.

REFERÊNCIAS (Wikipédia):

Inferno é a primeira parte da "Divina Comédia" de Dante Alighieri, sendo as outras duas o Purgatório e o Paraíso. Está dividido em trinta e quatro cantos (uma divisão de longas poesias), possuindo um canto a mais que as outras duas partes, que serve de introdução ao poema. A viagem de Dante é uma alegoria através do que é essencialmente o conceito medieval de Inferno, guiada pelo poeta romano Virgílio. No poema, o inferno é descrito com nove círculos de sofrimento localizados dentro da Terra. Foi escrito no início do século XIV.

O Portal do Inferno não tem portas ou cadeados, somente um arco com um aviso que adverte: uma vez dentro, deve-se abandonar toda a esperança de rever o céu, pois de lá não se pode voltar. A alma só tem livre-arbítrio enquanto viva, portanto, viva se decide pelo céu ou pelo inferno. Depois de morta, perde a capacidade de raciocinar e tomar decisões.



POST-SCRIPTUM:


A entrevista é meio antiga, do tempo do Lula, mas a realidade é a mesma até hoje. E como é!


O que fazer? Chorar???


VOTE NULO! ESTAMOS TODOS NO INFERNO!

FUNDAMENTALISMO



[Texto de autoria de Leonardo Boff]

Além de rejeitar decididamente o terrorismo e o fundamentalismo devemos procurar entender o porquê deste fenômeno. Já abordei tal tema num livro, "Fundamentalismo, Terrorismo, Religião e Paz: desafio do século XXI" (Ed. Vozes, 2009). Aí refiro, entre outras causas, o tipo de globalização que predominou desde o seu início, uma globalização fundamentalmente da economia, dos mercados e das finanças. Edgar Morin a chama de "a idade de ferro da globalização".

Não se seguiu, como a realidade pedia, uma globalização política (uma governança global dos povos), uma globalização ética e educacional. Explico-me: com a globalização inauguramos uma nova fase da história do Planeta vivo e da própria humanidade. 

Estamos deixando para trás os limites restritos das culturas regionais com suas identidades e a figura do estado-nação para entrarmos cada vez mais no processo de uma história coletiva, da espécie humana, com um destino comum, ligado ao destino da vida e, de certa forma, da própria Terra. Os povos se puseram em movimento, as comunicações universalizaram os contatos e multidões, por distintas razões começaram a circular pelo mundo afora.

A transição do local para o global não foi preparada, pois o que vigorava era o confronto entre duas formas de organizar a sociedade: o socialismo estatal da União Soviética e o capitalismo liberal do Ocidente. Todos deviam alinhar-se a uma destas alternativas.

Com o desmonte da União Soviética, não surgiu um mundo multipolar, mas o predomínio dos EUA como a maior potência econômico-militar que começou a exercer um poder imperial, fazendo com que todos se alinhassem a seus interesses globais.

Mais que globalização em sentido amplo, ocorreu uma espécie de ocidentalização do mundo e, em sua forma pejorativa, uma "hamburguerização". Funcionou como um rolo compressor, passando por cima de respeitáveis tradições culturais. Isso foi agravado pela típica arrogância do Ocidente de se sentir portador da melhor cultura, da melhor ciência, da melhor religião, da melhor forma de produzir e de governar.

Essa uniformização global gerou forte resistência, amargura e raiva em muitos povos. Assistiam a erosão de sua identidade e de seus costumes. Em situações assim surgem, normalmente, forças identitárias que se alinham a setores conservadores das religiões, guardiães naturais das tradições. Daí se origina o fundamentalismo que se caracteriza por conferir valor absoluto ao seu ponto de vista. 

Quem afirma de forma absoluta sua identidade, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los.


POST-SCRIPTUM:


Concordo plenamente com o pensador Leonardo Boff: toda forma de intolerância deve ser combatida, mas devemos ter em mente que somente através da educação este câncer social poderá ser um dia erradicado.