sexta-feira, 21 de março de 2014

O PODER DA ILUSÃO



[Texto de autoria de Paulo Blank]


Budha e Narciso me parecem duas posturas diferentes que podemos ter frente ao poder e a ilusão. Na história de ambos sempre me impressionou a diferença com que trataram de uma situação muito parecida. Enquanto um deles sairia pelo caminho da iluminação, o outro mergulhava para sempre no engano.

Enquanto um negava a oferta de realização dos desejos em troca de permanecer no caminho da ilusão, o outro, iludido, entregou-se ao engano e perdeu qualquer possibilidade de lidar com a realidade, ficando aprisionado em suas fantasias de poder. Em ambos, podemos reconhecer dois caminhos diferentes que somos obrigados a percorrer em nossa vida e, da escolha que fazemos, depende o rumo que ela toma.

Tirésias, o adivinho cego da mitologia grega, previu que a ninfa Liríope teria um filho que só chegaria à idade adulta se não viesse a conhecer o próprio rosto. Foi assim que Narciso veio ao mundo e cresceu deixando atrás de si um rastro que marcava a sua caminhada por uma vida sem face.

Por onde passava, pessoas de ambos os sexos se apaixonavam pelo jovem e ele, orgulhoso da própria beleza e embevecido pelo seu poder sobre os outros, não correspondia aos amantes capazes até mesmo de matar-se pelo seu amor.

Um dia, o jovem mancebo deparou-se com um lago de águas límpidas no meio de seu caminho. Narciso aproximou-se, olhou, debruçou-se, e o que viu espelhado deixou-o enlouquecido. Um belo jovem olhava para ele de dentro do espelho de água clara.





Narciso enxergou a própria face, mas, não sabendo que era sua, apaixonou-se pelo jovem que julgou ver no reflexo do lago. Fascinado pela imagem que não conseguia tocar, sofrendo na própria carne o mesmo sentimento que despertava nos outros, Narciso caiu prisioneiro de uma ilusão que, até os dias de hoje, conta o mito, o mantém prisioneiro de seu engano.

No outro lado do andar dos homens, vamos encontrar Budha. Em sua busca de iluminação, ele defrontou-se com Maya Papyam, deus do reino dos desejos, capaz de alimentar as fantasias de poder de qualquer mortal. 

A todo custo, Maya queria tirar Budha de seu objetivo. Mas Budha já conhecia bem esse caminho. Seu pai já tentara afatá-lo da realidade através da fantasia de um mundo onde todos eram etrnamente belos e a velhice e a morte não tinham lugar. Foi para fugir desta ficção que Budha tentou rasgar a cortina de ilusões que habita em nós na medida em que nos lançamos com avidez no mundo das aparências e do poder.

Meditando à beira de um lago, o príncipe Gautama viu diante de si o reflexo da própria imagem. Defrontado com Mara, a potência do desejo que assumia as feições de Budha e lhe oferecia poder e riqueza sem fim, Budha, reunindo o resto de suas forças, exclama olhando para a própria imagem que tudo aquilo era ilusão, derrotando Maya Papyam, o poderoso deus dos enganos.

Pensando em Budha e Narciso como duas tendências de nossas mentes, não há como não reconhecer nestas forças um desafio permanente. Ou optamos por Narciso, e nos transformamos em seres iludidos com o poder que ignora as consequências de seus gestos e desconhece o amor e a delicadeza frente ao outro, ou aprendemos com Budha o mistério da ilusão do próprio eu e confrontamos Mara para, uma vez mais, tentarmos renovar os nossos objetivos de estar neste mundo.


POST-SCRIPTUM:

Boa sorte a cada um e a todos em sua busca pela iluminação.