quinta-feira, 21 de abril de 2011

'RIO' IN RIO



O tapete da pré-estréia de "Rio", animação de Carlos Saldanha, em um cinema da Lagoa (bairro da zona sul do Rio de Janeiro), foi azul em vez do tradicional vermelho, em referência à ararinha Blu, personagem principal do filme, uma declarada homenagem à cidade.




Fui ver a fita e, após a exibição, me pareceu que, no geral, a aprovação por parte de quem assistiu era realmente quase unânime.  Sem dúvida é uma propaganda positiva sem precedentes, mas, sem querer ser chato, há que se fazer algumas ressalvas, em minha opinião.



É tudo muito lindo e maravilhoso, mas não se pode esquecer que é só um desenho animado feito para entreter (não só inclusive, mas especialmente, as crianças) e que a realidade do Rio de Janeiro é, para ser bem gentil, "um pouquinho" mais dura e menos colorida.


E também não há como alguém discordar a respeito do aspecto meio folclórico da coisa toda, além da trilha sonora calcada em “samba de gringo”. Mas talvez esse seja o preço a pagar quando se quer agradar cariocas e americanos ao mesmo tempo.




Meu medo era que a fita fosse um arremedo hollywoodiano da realidade, algo bizarro e excessivamente artificial que causasse vergonha aos moradores do Rio. 




Entretanto, dentro do que se propõe, a trama até que é razoável (ponto para a denúncia ao tráfico de animais silvestres) e bem engraçada, apesar de certa sensação de desconforto que me transmitiu em alguns momentos, talvez pela simplificação e redução da realidade social e psicológica dos cariocas - perfeitamente compreensível, evidentemente, dadas as exigências da mídia, mas, mesmo assim, exagerada, em minha opinião. 




Outro ponto positivo se refere à acuidade geográfica, por exemplo, que é de uma perfeição inatacável. Lá estão, compondo o cenário, os Arcos da Lapa, a Catedral Metropolitana, o prédio da Petrobrás, as ladeiras de Santa Teresa, a Baía de Guanabara, a praia de Copacabana, a Vista Chinesa na Floresta da Tijuca e o Sambódromo na avenida Marquês de Sapucaí, alguns com participação maior outros menor, mas sempre presentes.






Bom, mas aí vem a grande questão: vale mesmo a pena dar-se ao trabalho de ir ao cinema assistir ao filme em tela grande? 






Antes de responder quero abrir um parênteses para declarar algo que nada tem a ver com as qualidades (ou falta das mesmas) da fita: fiquei com uma baita de dor de cabeça ao sair da sessão! Aliás, isso sempre me acontece quando acompanho minhas filhas ao cinema para assistir desenhos-animados em 3-D...  




Admito que prefiro este artifício em filmes live action de ação ou fantasia à la 'Piratas do Caribe' ou 'Alice no País das Maravilhas'; em animações, não sei bem explicar por que, mas me cansa um pouco, principalmente quando muito coloridas e feéricas. 




Voltando ao filme, confesso que eu e as crianças adoramos, mas mesmo assim não deixamos de concordar em que faltou "algo mais". Na verdade, qualquer um dos filmes da trilogia 'Era do Gelo' (Ice Age) é indiscutivelmente superior






Pensando bem acho que dava para esperar sair em DVD, principalmente levando-se em conta o preço do ingresso: tá caro pra caramba, parceiro (pelo menos pra nós, meros proletários do pensamento)!



POST-SCRIPTUM:


Será que, eventualmente, veremos um 'RIO 2'? Apesar de tudo, espero sinceramente que sim (e que seja melhor que o primeiro...).






quarta-feira, 20 de abril de 2011

LOUCURA x 'BULLYING'



[Texto editado a partir da matéria publicada no jornal DESTAK em 11 de abril de 2011 sob o título “O mal existe”, de autoria de seu diretor editorial Fábio Santos]



Impossível evitar perguntas e não arriscar respostas diante de um episódio tão aterrador como o massacre de estudantes numa escola em Realengo, no Rio.

Matar crianças assim, como pode? Por quê?



Talvez seja essa a síntese de todas as indagações que percorrem nossas mentes assustadas frente à tamanha crueldade. 






Passados alguns dias da terrível tragédia, começa a se consolidar a idéia de que as ações de Wellington são fruto de uma mente perturbada que foi submetida à incompreensão e à crueldade de seus antigos colegas naquela mesma escola.

Ele teria sido uma vítima do chamado 'bullying', a palavra que incorporamos do inglês para descrever a crueldade infantil contra os mais fracos e menos adequados. Mas quanta gente foi alvo desse tipo de perseguição quando criança e não se torna um assassino?





Muitos se surpreenderam por esse ser um episódio raro no Brasil. "Agora importamos até crimes dos Estados Unidos", comentam alguns. Até parece que no tocante ao exercício da maldade precisamos importar algo. Wellington só é raro porque matou crianças dentro de uma escola.

Quem não se lembra da chacina da Candelária? Ali eram meninos de rua sendo mortos por policiais.

Onde estava a loucura?

E os jovens que queimaram um índio em Brasília?

Ou o grupo de garotos que espancou um mendigo até a morte na Paraíba ano passado?






POST-SCRIPTUM:



Não há como não concordar com as colocações do autor quanto à capacidade para a crueldade do brasileiro, que não deixa nada a dever ao norte-americano ou, diga-se de passagem, a nenhum outro povo da Terra.



Entretanto cabem alguns reparos quanto a seu questionamento em relação ao bullying, principalmente no que se refere ao fato de Wellington ter retornado ESPECIFICAMENTE àquela escola onde estudou.






Claro, ele certamente era um desequilibrado mental. Cometeria ele algum outro crime tão bárbaro quanto esse eventualmente, se não tivesse sido detido? Talvez sim, talvez não. Não há como ter certeza absoluta.



Assim como não há como ter certeza absoluta se não haveria outras partes envolvidas que teriam influenciado ou incentivado o assassino de alguma forma. Penso que a polícia não devia descartar tal hipótese sem uma investigação mais aprofundada, por menos provável que ela possa parecer.







Entretanto, a questão que parece escapar à maioria das pessoas é que Wellington voltou ESPECIFICAMENTE à escola onde estudou e onde sofreu as mais cruéis humilhações.



Tem-se feito muito alarde quanto à suposta esquizofrenia do assassino e quanto à fatalidade “imprevisível” de algo assim acontecer no Brasil, onde o povo é tão “pacífico” e “cordial”.







Ora, faça-me o favor! Se esse rapaz não tivesse sofrido bullying ESPECIFICAMENTE na escola onde estudou é de se supor que ele fosse descarregar suas frustrações em outro lugar e talvez mesmo de outra forma.



Até mesmo a loucura segue certos padrões, por mais ilógicos que pareçam. Wellington tinha com certeza a intenção de vingar-se de algo que ele identificava como insuportável em seu passado, no caso, aparentemente, os mal-tratos sofridos nas mãos de outros meninos e o desprezo por parte das meninas.





Talvez tenha mesmo pensado em matar aqueles que ele identificava como responsáveis diretos por suas experiências traumatizantes. Mas ele não era um alienado total: provavelmente percebera as dificuldades inerentes em localizar e matar cada um de seus algozes e, num processo muito comum de transferência, decidiu vingar-se do "ambiente mental" associado a seu trauma, o local ESPECÍFICO onde ocorrera sua vergonha, ou seja, a escola e os alunos lá presentes.



Ainda que outros e sem a menor relação aparente com aqueles a quem ele considerava culpados, ainda assim, em sua mente doentia, Wellington talvez os enxergasse por uma lógica míope como praticantes, sobre outras vítimas, das mesmas indignações por ele sofridas no passado naquela escola ESPECÍFICA.







E o argumento de que ele só queria matar meninas não se sustenta. Pelo menos dois meninos também foram alvejados e o número maior de vítimas do sexo feminino provavelmente seja um mero acaso ou coincidência. As meninas talvez fossem em maior número nas salas onde ele primeiro atacou e, se tivesse mais tempo para continuar sua missão macabra, penso que haveria mais vítimas do sexo masculino.



Ou, quem sabe, talvez a componente sexual associada a sua psicose o tivesse realmente levado a priorizar os alvos femininos, mas, de qualquer maneira, esse é apenas um detalhe: o fato concreto é que vidas inocentes foram tiradas em decorrência de circunstâncias bem ESPECÍFICAS e que poderiam ter sido evitadas. 








Os casos de bullying no Brasil e no resto do mundo são cada vez mais divulgados pela imprensa e denunciados tanto por quem o sofreu no passado como por suas atuais vítimas.



As mais variadas pesquisas referentes ao assunto dão conta de que, pelo menos, entre 40% a 60% da população em idade escolar sofre algum tipo de abuso físico ou psicológico tanto por parte dos colegas quanto – pasmem! – dos professores.







POST-SCRIPTUM:


Este é um assunto muito importante e que até pouco tempo atrás não merecia a devida atenção das autoridades. Esperemos que a partir de agora este panorama mude radicalmente e que a sociedade se conscientize de sua própria hipocrisia. Se oxalá assim acontecer, esta terá sido, infelizmente, a única e desagradável conseqüência positiva resultante do odioso ato de Wellington...






segunda-feira, 11 de abril de 2011

KARL MARX E 'A MISÉRIA DA FILOSOFIA'





Em fins do século XIX as reflexões de Karl Marx (1818-1883) sobre a história levaram-no a reconhecer a importância fundamental das questões ligadas à produção: não há sociedade que não consuma para sobreviver; e, para consumir, ela precisa, de algum modo, produzir.

Assim, não há como compreender a complexidade inerente a qualquer sociedade se não levarmos em conta os problemas ligados ao modo pelo qual ela organiza a sua produção e ao modo pelo qual nela se dá a apropriação da riqueza produzida. 






Esta é, em essência, a concepção da história elaborada por Marx, a qual corresponde com perfeita coerência à sua concepção do homem, cujos aspectos essenciais ele desenvolveu numa polêmica com o socialista utópico francês, Proudhon.

Advertia Marx, então, que "as relações de produção formam um todo" e que certa visão de conjunto torna-se indispensável para a avaliação do verdadeiro alcance de cada fenômeno observado na história. Marx se contrapunha, portanto, à ilusão que levava Proudhon a se basear, não na totalidade dinâmica das relações de produção, mas numa pretensa natureza humana imutável, para avaliar os problemas históricos da sociedade de seu tempo.






"O Sr. Proudhon não sabe que toda a história tem sido apenas uma transformação constante da natureza humana", escreveu Marx em seu livro 'A MISÉRIA DA FILOSOFIA'. 

Desde o seu nascimento, a Filosofia tratou de assuntos cruciais: a natureza das coisas, a natureza do homem, a ética, as formas de governo, a felicidade, o trabalho, o átomo, a economia, a liberdade, a justiça, o amor, a verdade, a vida, a morte, etc. Todos estes problemas são ainda hoje atuais. Nunca, nenhum deles foi equacionado definitivamente. Isso mostra que as questões realmente importantes são sempre retomadas e articuladas de modo novo ao longo da história humana.






A Filosofia é, portanto, um discurso vivo e inacabado, justamente porque se origina nas questões radicais de nossa existência, bem com da ciência, da política, da arte e da religião. Assim sendo, ela não pode ser neutra. Pelo contrário, deve revestir-se de um profundo sentido transformador e crítico da realidade, que surge a partir de concepções revolucionárias do homem e do mundo.

Tais concepções se colocam como contraponto ao discurso praticado pela tradição filosófica que situava a discussão no nível exclusivo de uma visão metafísica da realidade ou permanecia presa à estreiteza de um ponto de vista puramente contemplativo; em outras palavras, "a miséria da filosofia".






“Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo de diferentes maneiras; trata-se, entretanto, de transformá-lo”, escreveu Marx. Ou seja, sua proposta era de rompimento com práticas anteriores caracterizadas pela inércia e pelo conformismo com a situação que se apresentava e de participação no sentido de um engajamento em um verdadeiro movimento transformador das consciências em geral, e do curso de filosofia em particular, instaurando, assim, o pensar que quer ser agente e ator da transformação da realidade.

Alguns poderiam questionar, e muitos o fazem, a respeito da relevância do pensamento de Karl Marx para os dias de hoje, pelo menos fora dos meios acadêmicos. Nestes vetustos santuários da ortodoxia marxista, até onde sei, ele vai muito bem, obrigado (ou, pensando bem, talvez nem tanto...). Mas e no caldeirão da cultura globalizada, território por excelência do genérico, do virtual e do fugaz (qualidades essas que – e isto deve ser sempre enfatizado – não merecem à priori o rótulo de 'negativas', diga-se de passagem)?






Eu diria que, como tudo, depende. Depende, entre outros aspectos que se possa pensar, principalmente da interpretação que se dê a seus escritos e da relação dessa interpretação com a transformação das circunstâncias históricas, desde a época em que foram concebidos até os dias atuais.

Se o ponto de partida for o marxismo ortodoxo, ou seja, aquela velha ladainha maniqueísta dos partidos de esquerda tradicionais, não vale nem a pena começar a discutir, é pura perda de tempo. Esse tipo de ‘pensamento’ não vai além de alguns clichês e palavras de ordem decoradas em cartilhas fomentadoras do ódio e do ressentimento. E, além do mais, extremamente hipócritas.







Entretanto, se o ponto de partida for o pensamento vivo desse que foi, antes de tudo, um filósofo, e só depois um economista e um político, ou seja – como diria o mestre José Arthur Giannoti – , não o ‘marxismo’ (que diria respeito a tudo que foi feito, devida ou indevidamente, em nome de Karl Marx), mas o pensamento ‘marxiano’ (que nos remeteria ao que ele efetivamente escreveu), então a resposta só pode ser um sonoro sim, pois não há como entender o século XX e entrar no século XXI sem conhecer as revolucionárias idéias de Marx.



POST-SCRIPTUM:


Não obstante que, em sua maior parte, a doutrina marxista seja de 'segunda mão' – originária de interpretações dadas por dirigentes soviéticos como Lênin, Trotsky e Stálin, ou o chinês Mao Tsé-Tung –, a obra de Marx, incontestavelmente, trouxe contribuições originais para a filosofia, a sociologia, a economia política e a história, ainda que discordemos pontualmente de algumas (ou mesmo de muitas) de suas colocações. 







E, se há que se admitir que poucos, na verdade, ousaram desbravar a complexidade de sua obra, não há como negar que, toda vez que achamos que alguma coisa está errada em uma sociedade em que uma minoria tem muito dinheiro e a maior parte da população vive em dificuldade, e que os sonhos de consumo nos tornam apenas mais vazios, estamos pensando na companhia de Marx, de uma forma ou de outra.


(Agradecimentos especiais aos professores LEANDRO KONDER e OLINTO PEGORARO)