[Adaptado de um artigo publicado na 'Folha de São Paulo' da autoria de Mateus Soares Azevedo, jornalista e ensaísta, mestre em história das religiões pela USP e autor de "Mística Islâmica", Ed. Vozes, 2002]
"Insensatos, prestai atenção: recebei minhas instruções com maior gosto do que se recebêsseis dinheiro, pois a Sabedoria vale mais do que todas as riquezas. Comigo estarão a glória, a opulência e a justiça. Feliz o homem que ouve a Sabedoria."
Extraídas dos Provérbios, de autoria de Salomão, são as palavras da "Sabedoria" personificada. Elas assinalam o lugar privilegiado do conhecimento no judaísmo, tradição monoteísta que tem seu eixo num livro sagrado. A 'Torah' (que corresponde ao Pentatêuco, os cinco primeiros livros da Bíblia) contém os Dez Mandamentos, principal legislação do Ocidente dos últimos 3.000 anos.
Até hoje não colocada em prática ("não matarás, não roubarás..."), é tão central que ultrapassou suas fronteiras originais, sendo incorporada pelo cristianismo e pelo islã. Distintamente dessas religiões missionárias, que buscam prosélitos entre todos os povos, o judaísmo não busca conversos e só raramente os aceita.
O judaísmo legou também os Salmos de Davi, venerados pelos cristãos, e os livros sapienciais de Salomão. Davi fez de Jerusalém sua capital, há 3.000 anos, e Salomão construiu o Templo. Destruído em 600 a.C. e reconstruído, foi arrasado em 66 d.C. pelos romanos. O Muro das Lamentações é o que restou dele.
A derrota para os romanos marca a Diáspora - a difusão dos judeus pelo mundo. Curiosamente, a despeito das tensões, suas comunidades somente prosperaram em terras do islã ou do cristianismo. Vem da Espanha muçulmana um dos ápices de sua cultura, com espetacular florescimento da mística e da filosofia, como testemunhado pelo 'Zohar - Livro do Esplendor' -, principal exposição do esoterismo judaico, e pelas obras de Maimônides.
Há ainda o messianismo. Em oposição ao cristianismo e ao islã, para os quais o Messias já veio, certa vertente do judaísmo sustenta que ele ainda está por vir, não necessariamente na forma de uma pessoa, como Jesus ou Maomé, mas certamente para implantar paz e justiça universais. Algo como uma Nova Era sem data marcada. Imagina-se então o fim da Diáspora.
Não se deve confundir essa concepção com o moderno sionismo. Sua ideologia nacionalista e expansionista é uma secularização do ideal messiânico. O sionismo não é parte constitutiva da religião; ainda hoje rabinos se lhe opõem tenazmente, como Moshe Hirsch, de Jerusalém, que prega a devolução integral das terras tomadas na Palestina.