domingo, 2 de março de 2014

O ATO ANALÍTICO (3)


[Trecho extraído do livro 'short story: os princípios do ato analítico', de Graciela Brodsky, publicado pela Contra Capa Livraria]


O que distingue um ato de uma ação? Um ato não é equiparável a uma ação porque as coordenadas são coordenadas simbólicas, ou seja, o ato é significativo, significa, é interpretável.

Lacan repetidamente exemplifica o que seria um ato: o momento em que César atravessa o Rubicão. Não creiam que saltar por cima do Rubicão é algo semelhante à travessia dos Andes. Nada disso, não é necessário nenhum esforço físico para atravessar o Rubicão, basta um salto.

Por isso o que é o ato? Não há nenhuma ação grandiosa em César que permita dizer que ele passou para a História por causa dela. Trata-se simplesmente do fato de que o Rubicão demarcava o limite que não podia ser atravessado pelo exército da República. César, então, desafia as leis da República, indo além das coordenadas simbólicas que regiam as leis da época.

 

De fato, antes de atravessar o Rubicão, César era um soldado da República; depois, tornou-se um rebelde. Não é mais o mesmo.

Pois bem, esse é o exemplo utilizado por Lacan para explicar que um ato se mede pelas coordenadas simbólicas, não representa nenhuma ação, nenhum gasto físico. 

Entende-se, contudo, que, para ultrapassar as leis, devemos tê-las no horizonte, devemos situar o Outro e ir além dele. Isso permite pressupor que o Outro sempre acompanha a dimensão do ato, precisamente para que se vá além dele. Não há ato sem o Outro.


Deve-se traçar o limite, para se ver depois como retraçá-lo. É preciso a lei simbólica para que se possa ver como transgredi-la, como ultrapassá-la. Não há ato de outra forma.


POST-SCRIPTUM:

Continua...


ABSURDO



[Editado do artigo "Absurdo do absurdo" de Arnaldo Bloch, publicado no 'Segundo Caderno' do jornal O GLOBO em 01.02.2014]


No comando de um Brasil no qual as prisões emulam cenas de masmorras medievais, país em que o saneamento não chega a mais da metade da população e o modelo energético do futuro (e a propaganda totalitária que o acompanha) é todo calcado no petróleo, os discursos de Dilma pintando o Brasil como Terra Prometida (na esteira da balela da "Copa das Copas") soam como o absurdo dos absurdos.

Se a incomunicabilidade iminente vista pelo teatro de Ionesco nos anos 1950 era um alerta que denunciava a falência da linguagem, transformada numa colagem de fórmulas e convenções para preencher o vazio existencial e a falta do que dizer, o que vivemos hoje é uma exacerbação deste status, por um caminho inverso: o vazio está superlotado de informações que pretendem tudo esclarecer e explicar simultaneamente por todos os caminhos possíveis.

O absurdo saiu de uma dinâmica bidimensional, dualista, para um ambiente pseudoquântico, no qual todos os cenários de significados são passíveis de serem possíveis e lógicos, sem qualquer centralidade de valores, digamos, universais, aos quais se agregarem.


POST-SCRIPTUM:


Enquanto isso permanecemos empacados na perplexidade do existir, desde que haja carnaval, futebol e cerveja...