segunda-feira, 12 de maio de 2014

OS CADERNOS NEGROS


[Editado do artigo 'C'est Paris' ou pra chorar? de autoria de Arnaldo Bloch publicado no Segundo Caderno do jornal O GLOBO]


Os "Cadernos Negros" ("Schwartze Hefte") de Heidegger foram editados recentemente na Alemanha, os quais o filósofo legou para publicação póstuma, reunindo pensamentos escritos entre 1931 e o início da década de 1970.

Morto em 1976, Heidegger não teve nenhum constrangimento de, três décadas após o fim das Segunda Guerra, deixar que viessem à luz, sem revisão ou prefácio de contextualização, notas que constroem um edifício teórico destinado a adaptar sua visão revolucionária do "ser no mundo" às idéias do Nacional-Socialismo, do qual foi partidário durante todo o período de vigência do regime hitlerista.

Assim, o indivíduo encorajado a enfrentar e superar a morte em vida para encontrar a esfera essencial do ser é transmutado num ser-nação que não conhece limites em sua batalha contra o grande inimigo: o judaísmo internacional.

Nessa nova configuração, o ser judeu é uma dimensão existencial conectada a uma "sabedoria do cálculo" que lhe serve de instrumento para destruir a civilização alemã, nisso se resumindo a dinâmica da natureza humana em seu processo no espaço e no tempo.

Deixar como herança o resultado da metamorfose de um sistema filosófico fundamental para o livre-pensar num chiclete de propaganda eugenista: Heidegger, no crepúsculo da Guerra Fria, estava consciente desse feito? 

Seja como for, um levante romântico, mitológico, da humanidade contra os demônios imaginários que figuram na grande panacéia dos "Protocolos dos Sábios do Sião" é um discurso que faz Heidegger soar, de repente, equivocado e superficial como os líderes atuais de grupúsculos neofascistas que pipocam Europa afora e adentro.

Pode-se fazer um paralelo com as décadas de 1930 e 1940? Os cadernos de Heidegger são munição para novos e tristes tempos?


POST-SCRIPTUM:





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