[Editado de um texto de Arnaldo Jabor publicado no Segundo Caderno do jornal O GLOBO]
A cultura patriarcal/estatal desde a colônia nos garantiu durante o populismo janguista até 64, que o Estado faria uma revolução tropical e transcendental (vide os delírios de Darcy Ribeiro, por exemplo), de modo a tirar o país da "alienação" e salvar, pela arte, os oprimidos. A cultura era uma política. O golpe de 64 foi uma porrada na utopia. Mas houve uma vantagem: a derrota nos "ajudou" a ver o atraso de nossas certezas. A ditadura e a depressão dos derrotados nos mostraram que o buraco era mais embaixo e que as forças da História eram mais labirínticas. A esquerda começou a se autocriticar (nem toda, claro - vide os soviéticos que ainda vicejam por aí).
Nos anos 1970, a contracultura ampliou repertórios e códigos artísticos, pela loucura do "desbunde" e da subcultura hippie. Houve uma virada mais antropológica que ideológica.
De cabeça para baixo, vimos mais. Valíamos pelo que "não" tínhamos e, se antes éramos vítimas imaginárias do capitalismo, agora éramos vítimas reais da ditadura e passamos a ter uma nova meta: a liberdade.
Surgiu um novo ente: o mercado. Se Lênin disse que nada existe fora do poder, o capital respondia que nada existia fora do mercado. Para onde ir? O trauma da globalização foi mais profundo que a derrota de 64; ficamos mais informados politicamente, mais cultos, embora, para os mais burros, tenha renascido um neonacionalismo rancoroso e feroz, a ideologia cultural do "bode-preto" reforçando conceitos superados: um "mix" de farrapos de esquerda, azedume "punk", pálida tristeza e anseios regressistas.
De repente, outra porrada no voluntarismo de intelectuais e artistas: não há mais futuro. Subitamente o presente nos atacou com uma enxurrada de vida liberada pela era digital na internet.
Sempre falávamos na democratização da cultura, das artes... Pois ela está aí... e não foi o Estado nem o ministério, nem anseios neorromânticos.
Ela está aí... Bill Gates, Jobs, as redes, os microchips mudaram o mundo... Quem diria?
E agora a mutação é mais intrincada porque não há "uma" ideia nova, uma escola, uma tendência. A mutação atual é a "contribuição milionária" de todos os desejos expressivos. Mudaram todos os suportes, as formas se multiplicam sem parar criando novas significações.
Sabíamos que a era digital mudaria tudo, desde o mundo árabe até a poesia de Shakespeare? Mais uma vez, as coisas criam os homens... Todo mundo pode fazer arte, poesia e a internet é o novo parnaso digital.
Reação romântica: como fazer arte sem futuro, sem finalidade? Sem a ideia de "eterno"? Que será do artista demiurgo, aqueles "poucos falando para muitos"? Agora, em que todos criam para todos, o que é "importante", como dizíamos? O que terá hoje ou amanhã o prefixo"Ur" (alemão) - as coisas fundadoras? Onde está a totalidade?
Há uma revolução de meios sem uma clareza de fins. Como será o mundo árabe? Como será a grande arte? Ainda haverá? Os meios justificam fins desconhecidos. E, vamos combinar, que mesmo na louvação das irrelevâncias, ainda dorme talvez o desejo de um sentido. Olha a encrenca... A própria ideia de um debate sobre esta dúvida já é antiga.
Se fosse proposta a um jovem blogueiro, ele diria: "Pra quê?"
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