segunda-feira, 11 de abril de 2011

KARL MARX E 'A MISÉRIA DA FILOSOFIA'





Em fins do século XIX as reflexões de Karl Marx (1818-1883) sobre a história levaram-no a reconhecer a importância fundamental das questões ligadas à produção: não há sociedade que não consuma para sobreviver; e, para consumir, ela precisa, de algum modo, produzir.

Assim, não há como compreender a complexidade inerente a qualquer sociedade se não levarmos em conta os problemas ligados ao modo pelo qual ela organiza a sua produção e ao modo pelo qual nela se dá a apropriação da riqueza produzida. 






Esta é, em essência, a concepção da história elaborada por Marx, a qual corresponde com perfeita coerência à sua concepção do homem, cujos aspectos essenciais ele desenvolveu numa polêmica com o socialista utópico francês, Proudhon.

Advertia Marx, então, que "as relações de produção formam um todo" e que certa visão de conjunto torna-se indispensável para a avaliação do verdadeiro alcance de cada fenômeno observado na história. Marx se contrapunha, portanto, à ilusão que levava Proudhon a se basear, não na totalidade dinâmica das relações de produção, mas numa pretensa natureza humana imutável, para avaliar os problemas históricos da sociedade de seu tempo.






"O Sr. Proudhon não sabe que toda a história tem sido apenas uma transformação constante da natureza humana", escreveu Marx em seu livro 'A MISÉRIA DA FILOSOFIA'. 

Desde o seu nascimento, a Filosofia tratou de assuntos cruciais: a natureza das coisas, a natureza do homem, a ética, as formas de governo, a felicidade, o trabalho, o átomo, a economia, a liberdade, a justiça, o amor, a verdade, a vida, a morte, etc. Todos estes problemas são ainda hoje atuais. Nunca, nenhum deles foi equacionado definitivamente. Isso mostra que as questões realmente importantes são sempre retomadas e articuladas de modo novo ao longo da história humana.






A Filosofia é, portanto, um discurso vivo e inacabado, justamente porque se origina nas questões radicais de nossa existência, bem com da ciência, da política, da arte e da religião. Assim sendo, ela não pode ser neutra. Pelo contrário, deve revestir-se de um profundo sentido transformador e crítico da realidade, que surge a partir de concepções revolucionárias do homem e do mundo.

Tais concepções se colocam como contraponto ao discurso praticado pela tradição filosófica que situava a discussão no nível exclusivo de uma visão metafísica da realidade ou permanecia presa à estreiteza de um ponto de vista puramente contemplativo; em outras palavras, "a miséria da filosofia".






“Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo de diferentes maneiras; trata-se, entretanto, de transformá-lo”, escreveu Marx. Ou seja, sua proposta era de rompimento com práticas anteriores caracterizadas pela inércia e pelo conformismo com a situação que se apresentava e de participação no sentido de um engajamento em um verdadeiro movimento transformador das consciências em geral, e do curso de filosofia em particular, instaurando, assim, o pensar que quer ser agente e ator da transformação da realidade.

Alguns poderiam questionar, e muitos o fazem, a respeito da relevância do pensamento de Karl Marx para os dias de hoje, pelo menos fora dos meios acadêmicos. Nestes vetustos santuários da ortodoxia marxista, até onde sei, ele vai muito bem, obrigado (ou, pensando bem, talvez nem tanto...). Mas e no caldeirão da cultura globalizada, território por excelência do genérico, do virtual e do fugaz (qualidades essas que – e isto deve ser sempre enfatizado – não merecem à priori o rótulo de 'negativas', diga-se de passagem)?






Eu diria que, como tudo, depende. Depende, entre outros aspectos que se possa pensar, principalmente da interpretação que se dê a seus escritos e da relação dessa interpretação com a transformação das circunstâncias históricas, desde a época em que foram concebidos até os dias atuais.

Se o ponto de partida for o marxismo ortodoxo, ou seja, aquela velha ladainha maniqueísta dos partidos de esquerda tradicionais, não vale nem a pena começar a discutir, é pura perda de tempo. Esse tipo de ‘pensamento’ não vai além de alguns clichês e palavras de ordem decoradas em cartilhas fomentadoras do ódio e do ressentimento. E, além do mais, extremamente hipócritas.







Entretanto, se o ponto de partida for o pensamento vivo desse que foi, antes de tudo, um filósofo, e só depois um economista e um político, ou seja – como diria o mestre José Arthur Giannoti – , não o ‘marxismo’ (que diria respeito a tudo que foi feito, devida ou indevidamente, em nome de Karl Marx), mas o pensamento ‘marxiano’ (que nos remeteria ao que ele efetivamente escreveu), então a resposta só pode ser um sonoro sim, pois não há como entender o século XX e entrar no século XXI sem conhecer as revolucionárias idéias de Marx.



POST-SCRIPTUM:


Não obstante que, em sua maior parte, a doutrina marxista seja de 'segunda mão' – originária de interpretações dadas por dirigentes soviéticos como Lênin, Trotsky e Stálin, ou o chinês Mao Tsé-Tung –, a obra de Marx, incontestavelmente, trouxe contribuições originais para a filosofia, a sociologia, a economia política e a história, ainda que discordemos pontualmente de algumas (ou mesmo de muitas) de suas colocações. 







E, se há que se admitir que poucos, na verdade, ousaram desbravar a complexidade de sua obra, não há como negar que, toda vez que achamos que alguma coisa está errada em uma sociedade em que uma minoria tem muito dinheiro e a maior parte da população vive em dificuldade, e que os sonhos de consumo nos tornam apenas mais vazios, estamos pensando na companhia de Marx, de uma forma ou de outra.


(Agradecimentos especiais aos professores LEANDRO KONDER e OLINTO PEGORARO)






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