quinta-feira, 28 de maio de 2015

FIFA TO PLAY IN JAIL



WOW! It's gonna be a mega fucking game!


POST-SCRIPTUM:

Já começou o Campeonato Mundial da Corrupção! A PETROBRAS saiu na frente, mas a FIFA tá chegando com força total!



domingo, 24 de maio de 2015

DUBAI DE MERDA!

Turista pegou três meses de cadeia após tocar ombro de uma policial de Dubai (Foto: Reuters)
[Publicado em g1.globo.com/Planeta Bizarro]
Um turista de 49 anos pegou três meses de cadeia após tocar no ombro de uma policial em Dubai, nos Emirados Árabes, para pedir informações. O turista do Cazaquistão acabou condenado por abuso sexual.
Ele negou as acusações e disse que só deu um tapinha no ombro da policial, pois queria lhe pedir informações sobre como chegar em um shopping. Apesar de alegar inocência, ele foi condenado e multado por um tribunal de Dubai.
Além de três meses de prisão, o juiz Mohammad Jamal multou o réu em R$ 1.635. Após a decisão da Justiça, o homem deverá ser deportado. Ele tem um prazo de 15 dias para recorrer da sentença.

POST-SCRIPTUM:

Eles podem até ser ricos pra caralho, mas qualquer pessoa com um mínimo de (in)sanidade há de concordar que são muito escrotos, babacas e atrasados socialmente. Com todo o respeito que merece a fé islâmica e as diferenças culturais, etc., etc., este tipo de acontecimento só me traz à mente um tipo de resposta: vão se foder!!!

Fala sério, estupidez tem limite.






sábado, 16 de maio de 2015

B. B. KING (R.I.P.)

 


VAI NA PAZ O GRANDE MESTRE DO BLUES...   

quarta-feira, 13 de maio de 2015

A SOFÍSTICA



A partir de meados do séc. VI a.c. a Grécia passa a usufruir de relativa estabilidade política e econômica. A vida na pólis está organizada sobre bases bem definidas e sob o controle de grupos aristocráticos reduzidos. O comércio intensifica-se com o intercâmbio cada vez mais frequente entre as cidades.

Tal atividade atinge seu ponto mais alto nas colônias da Ásia Menor e da Itália meridional, o que trouxe a estas cidades grande riqueza e prosperidade, o que por sua vez gerou populações de elevado nível cultural. Aliado a isto devemos lembrar da considerável liberdade que dispunham em virtude da distância em relação à pátria-mãe.

Desse modo, foram as condições sociais, políticas e econômicas favoráveis que propiciaram o nascimento e o florescimento da filosofia que, passando depois à Grécia propriamente dita, atingiu seu auge justamente em Atenas, a cidade-estado onde reinou a maior liberdade desfrutada pelos gregos à época.

Durante o séc. V a.c. surge a sofística, despertando um interesse singular principalmente em Atenas que, após importantes vitórias sobre os persas, impõe-se como o maior centro cultural e político da Grécia. As razões de ordem filosófica que permearam o desenvolvimento da sofística podem ser encontradas no quadro pouco animador decorrente do resultado do esforço especulativo da metafísica durante quase dois séculos.

Os filósofos haviam pesquisado a suposta causa primeira de todas as coisas sem chegar a conclusões definitivas. Diante desse quadro os pensadores passaram então a estudar o homem em sua profundidade a fim de determinar com exatidão o valor e o alcance de sua capacidade cognitiva.

Contribuiu também para o aparecimento da sofística exigências de ordem política. A vida na pólis impunha a todos os cidadãos livres que se dedicassem à atividade política, tanto por injunções de ordem particular quanto comunitária. 

Curiosamente, à época, a sofistica usufruía de um respeito e de uma reputação que nada tinha a ver com a conotação negativa que passou a ter posteriormente em virtude da divulgação paulatina do ponto de vista crítico de Platão e Aristóteles, tendo gozado de notável prestígio por séculos.

A sofística, na verdade, era considerada uma arte e uma técnica de convencimento argumentativo indispensável ao funcionamento da democracia ateniense e que era ensinada por mestres em troca de pagamento aos cidadãos abastados e dispostos a tal transação, o que lhes dava uma vantagem indiscutível nas assembleias públicas.


POST-SCRIPTUM:


Que me perdoem certos sábios da Antiguidade, mas tais característica extrínsecas à essência da sofística não lhe tiram, de forma alguma, seu mérito teórico e valor prático.


sábado, 2 de maio de 2015

O SER E O EVENTO (6)



[ALAIN BADIOU; O SER E O EVENTO; INTRODUÇÃO; JZE; EDITORA UFRJ]


Se a realização da tese "as matemáticas são a ontologia" é a base deste livro, não é de modo algum sua finalidade. Por mais radical que seja, essa tese não faz senão delimitar o espaço próprio possível da filosofia. Sem dúvida, ela mesma é uma tese metaontológica, ou filosófica, tornada necessária pela situação atual acumulada das matemáticas (após Cantor, Gödel e Cohen) e da filosofia (após Heidegger). Mas sua função é abrir para os temas específicos da filosofia moderna, e em particular - pois que do ser-enquanto-ser a matemática é guardiã - para o problema d'"o-que-não-é-o-ser-enquanto-ser", a cujo respeito é precipitado, a bem dizer estéril, declarar desde já que se trata do não-ser. O domínio (que não é um domínio, é antes um inciso, ou um suplemento) d'o-que-não-é-o-ser-enquanto-ser se organiza, para mim, em torno de dois conceitos, emparelhados e essencialmente novos, que são os de verdade e de sujeito.

Não há dúvida de que o vínculo entre a verdade e o sujeito pode parecer antigo, ou, em todo caso, selar o destino da primeira modernidade filosófica, cujo nome inaugural é Descartes. Afirmo, no entanto, que é de um ângulo inteiramente diverso que são aqui reativados esses termos, e que este livro funda uma doutrina efetivamente pós-cartesiana, e até pós-lacaniana, daquilo que, para o pensamento, ao mesmo tempo des-liga a conexão heideggeriana do ser e da verdade e institui o sujeito, não como suporte ou origem, mas como fragmento do processo de uma verdade. 

Do mesmo modo, se uma categoria devesse ser designada como emblema de meu empreendimento, não seria nem o múltiplo puro de Cantor, nem o construtível de Gödel, nem o vazio, pelo qual o ser é nomeado, nem mesmo o evento, onde se origina a suplementação pelo o-que-não-é-o-ser-enquanto-ser. Seria o genérico.

Essa própria palavra, "genérico", eu a tomo de um matemático, Paul Cohen. Com as descobertas de Cohen (1963), conclui-se o grande monumento de pensamento começado por Cantor e Frege no final do século XIX. Gostaria de dizer aqui que os conceitos de Cohen (genericidade e forçamento) constituem, a meu ver, um topos intelectual pelo menos tão fundamental quanto o foram, em seu tempo, os famosos teoremas de Gödel. Eles atuam muito além de sua validade técnica, que até o momento os confinou na arena acadêmica dos últimos especialistas da teoria dos conjuntos. De fato, eles regram em sua ordem própria o velho problema dos indiscerníveis, refutam Leibniz e abrem o pensamento para a captura subtrativa da verdade e do sujeito.

É, portanto, ao que chamarei de procedimentos genéricos (há quatro deles: o amor, a arte, a ciência e a política), que se prendem tanto a reunião ideal de uma verdade quanto a instancia finita de tal reunião, que é, a meus olhos, um sujeito. O pensamento do genérico supõe a completa travessia das categorias do ser (múltiplo, vazio, natural, infinito...) e do evento (ultra-um, indecidível, intervenção, fidelidade...). São tantos os conceitos que ele cristaliza que é difícil dar-lhe uma imagem. Direi, contudo, que ele se prende ao problema profundo do indiscernível, do inominável, do absolutamente qualquer. Um múltiplo genérico (e tal é sempre o ser de uma verdade) é subtraído ao saber, desqualificado, inapresentável. No entanto, ele se deixa pensar.

O que se passa na arte, na ciência, na verdeira e rara política, no amor (se é que ele existe), é a vinda à luz de um indiscernível do tempo, que não é, por isso, nem um múltiplo conhecido ou reconhecido, nem uma singularidade inefável, mas que detém em seu ser-múltiplo todos os traços comuns do coletivo considerado, e, nesse sentido, é verdade de seu ser. O mistério desses procedimentos foi, em geral, remetido seja às suas condições representáveis (o saber do social, do sexual, do técnico...), seja ao além transcendente de seu Um (a esperança revolucionária, a fusão amorosa, o ek-stase poético...). Na categoria do genérico, proponho um pensamento contemporâneo desses procedimentos, que mostra que eles são simultaneamente indeterminados e completos, porque, no furo de todas as enciclopédias disponíveis, eles certificam o ser-comum, o fundo múltiplo, do lugar de onde procedem.

Um sujeito é então um momento finito desse certificado. Um sujeito certifica localmente. Ele só se sustenta por um procedimento genérico, e não há, portanto, stricto sensu, senão sujeito artístico, amoroso, científico ou político.

A matemática é citada aqui para que se torne manifesta sua essência ontológica. Assim como as ontologias da Presença citam e comentam os grandes poemas de Hölderlin, de Trakl ou de Celan, e ninguém condena que o texto poético seja ao mesmo tempo exposto e incisado, também é preciso conceder-me, sem fazer a empresa pender para o lado da epistemologia (não mais que a de Heidegger para o lado da simples estética), o direito de citar e incisar o texto matemático. Pois o que é esperado dessa operação é menos um saber das matemáticas do que a determinação do ponto em que o dizer do ser advém, em excesso temporal sobre si mesmo, como uma verdade, sempre artística, científica, política ou amorosa. 

É uma imposição da época que a possibilidade de citar as matemáticas seja exigível para que verdade e sujeito sejam pensáveis no seu ser. Que me seja permitido dizer que essas citações são, no fim das contas, mais universalmente acessíveis, e unívocas, do que as dos poetas.

As matemáticas têm um poder próprio de fascinar e de apavorar que a meu ver é socialmente agenciado e não tem nenhuma razão intrínseca. Nada é pressuposto aqui, salvo uma atenção livre e isenta desse pavor a priori.



quinta-feira, 30 de abril de 2015

O SER E O EVENTO (5)

[ALAIN BADIOU; O SER E O EVENTO; INTRODUÇÃO; JZE; EDITORA UFRJ]


O perigo é que, se os filósofos podem ficar desgostosos por saber que, desde os gregos, a ontologia tem a forma de uma disciplina separada, os matemáticos não fiquem nada satisfeitos com isso. Conheço o ceticismo, e até o desprezo divertido, com que os matemáticos acolhem esse gênero de revelação acerca de sua disciplina. Isso não me melindra, tanto mais que conto estabelecer neste livro o seguinte: é da essência da ontologia efetuar-se na exclusão reflexiva de sua identidade. Precisamente para aquele que sabe que é do ser-enquanto-ser que procede a verdade das matemáticas, fazer matemáticas - e especialmente matemáticas inventivas - exige que esse saber não seja em nenhum momento representado. Pois sua representação, pondo o ser em posição geral de objeto, corrompe imediatamente a necessidade, para toda efetuação ontológica, de ser desobjetivante.

Os matemáticos nos dizem: sejam matemáticos. E se o somos, ei-nos honrados nessa condição, sem ter avançado um passo quanto à designação filosófica da essência desse saber.

É, portanto, essencial para manter um debate racional sobre o uso feito aqui das matemáticas, admitir uma consequência crucial da identidade entre as matemáticas e a ontologia, que é o fato de que a filosofia está originariamente separada da ontologia. Não como um vão saber "crítico" se esforça por nos fazer crer, que a ontologia não existe, mas antes porque ela existe plenamente, de tal modo que aquilo que é dizível - e dito - do ser-enquanto-ser não pertence de maneira alguma ao domínio do discurso filosófico.

Consequentemente, nosso intuito não é uma apresentação ontológica, um tratado sobre o ser; nosso intuito é estabelecer a tese metaontológica de que as matemáticas são a historicidade do discurso do ser-enquanto-ser. E o intuito desse intuito é remeter a filosofia para a articulação pensável de dois discursos (e práticas) que não são ela: a matemática, ciência do ser, e as doutrinas intervenientes do evento, o qual, precisamente, designa "o-que-não-é-o-ser-enquanto-ser".

Que a tese ontologia = matemáticas seja metaontológica exclui que ela seja matemática, isto é, ontológica. É preciso admitir aqui a estratificação do discurso. Os fragmentos matemáticos cujo uso a demonstração dessa tese prescreve são comandados por regras filosóficas, não pelas da atualidade matemática. No geral, trata-se daquela parte das matemáticas em que se enuncia historicamente que todo "objeto" é redutível a uma multiplicidade pura, ela mesma edificada sobre a inapresentação do vazio (a teoria dos conjuntos).

Tentemos, portanto, dissipar o mal-entendido. Não pretendo em absoluto que os domínios matemáticos que menciono sejam os mais "interessantes" ou mais significativos do estado atual das matemáticas. É evidente que a ontologia segue seu curso, bem adiante deles. Não digo tampouco que esses domínios estão em posição de fundamento para a discursividade matemática, mesmo que figurem, em geral, no início de todo tratado sistemático. Começar não é fundar. Minha problemática não é, já disse, a do fundamento, pois isso seria aventurar-se na arquitetura interna da ontologia, quando meu propósito é somente designar-lhe o sítio. Afirmo, contudo, que esses domínios são historicamente sintomas, cuja interpretação legitima o fato de que as matemáticas só sejam asseguradas de sua verdade na medida em que organizam o que, do ser-enquanto-ser, se deixa inscrever.

Aos filósofos, é preciso dizer, portanto, que é de um regramento definitivo da questão ontológica que pode derivar hoje a liberdade de suas operações realmente específicas. E aos matemáticos, que a dignidade ontológica de sua investigação, embora condenada à cegueira sobre si mesma, não impede que eles se interessem pelo que está em jogo, segundo outras regras, e para outros fins, na metaontologia. Que se convençam, em todo caso, de que a verdade está em jogo aí, e que é o fato de lhes ter confiado para sempre "o cuidado do ser" que a separa do saber e a abre ao evento.

Sem outra esperança contudo, mas isso basta, senão daí inferir, matematicamente, a justiça.




terça-feira, 28 de abril de 2015

O SER E O EVENTO (4)



[Alain Badiou; O Ser e o Evento; Introdução; JZE; Editora UFRJ]



Sei bem que a tese da identidade entre matemáticas e ontologia não convém nem aos filósofos nem aos matemáticos.

A "ontologia" filosófica contemporânea está inteiramente dominada pelo nome de Heidegger. Ora, para Heidegger, a ciência, de que a matemática não é distinguida, constitui o núcleo duro da metafísica, porquanto ele a dissolve na própria perda desse esquecimento em que a metafísica, desde Platão, havia fundado a certeza de seus objetos: o esquecimento do ser. O niilismo moderno, a neutralidade de pensamento têm por signo maior a onipresença técnica da ciência, a qual dispõe o esquecimento do esquecimento.

É pouco, portanto, dizer que as matemáticas - que, ao que eu saiba, ele só menciona lateralmente - não são, para Heidegger, uma via de acesso à questão original, o vetor possível de um retorno à presença dissipada. Ao contrário, elas são a própria cegueira, a grande e maior potência do Nada, a exclusão do pensamento pelo saber. É sintomático, de resto, que a instauração platônica da metafísica tenha sido acompanhada de um estabelecimento das matemáticas como paradigma. Assim, para Heidegger, pode se indicar desde a origem que as matemáticas são interiores à grande "virada" do pensamento que se efetua entre Parmênides e Platão, e pela qual o que estava em posição de abertura e de velamento se fixa e se torna, ao preço do esquecimento de sua própria origem, manejável na forma da Ideia.

O tema do debate com Heidegger dirá respeito simultaneamente, portanto, à ontologia e à essência das matemáticas, depois, por via de consequência, ao que significa que o lugar da filosofia seja "originalmente grego". Podemos abrir assim o desenvolvimento:

1. Heidegger ainda continua submetido, até em doutrina da retirada e do des-velamento, ao que, de minha parte, considero ser justamente a essência da metafísica, ou seja, a figura do ser como entrega e dom, como presença e abertura, e a da ontologia como proferição de um trajeto de proximidade. Chamarei poético esse tipo de ontologia, povoada pela dissipação da Presença e a perda da origem. Sabemos que papel desempenham os poetas, de Parmênides a René Char, passando por Hölderlin e Trakl, na exegese heideggeriana. Na Teoria do Sujeito, quando eu convocava, para os nós da análise, Ésquilo e Sófocles, Mallarmé, Hölderlin ou Rimbaud, era por seguir seus passos que eu me esforçava.

2. Ora, à sedução da proximidade poética - a que sucumbo, mal a nomeio -, oporei a dimensão radicalmente subtrativa do ser, excluído não só da representação, mas de toda apresentação. Direi que o ser, enquanto ser, não se deixa aproximar de maneira alguma, mas somente suturar em seu vazio à aspereza de uma consistência dedutiva sem aura. O ser não se difunde no ritmo e na imagem, não reina sobre a metáfora; é o soberano nulo da inferência. A ontologia poética, que - como a História - está no impasse de um excesso de presença em que o ser se esquiva, deve ser substituída pela ontologia matemática, em que se realizam, pela escrita, a des-qualificação e a inapresentação. Seja qual for o preço subjetivo disso, a filosofia deve designar, porque é do ser-enquanto-ser que se trata, a genealogia do discurso sobre o ser - e a reflexão possível de sua essência - em Cantor, Gödel ou Cohen, mais que em Hölderlin, Trakl ou Celan.

3. Há, por certo, uma historicidade grega do nascimento da filosofia, e indubitavelmente essa historicidade é atribuível à questão do ser. No entanto, não é no enigma e no fragmento poético que a origem se deixa interpretar. Essas sentenças pronunciadas sobre o ser e o não-ser na tensão do poema são encontradas igualmente na Índia, na Pérsia ou na China. Se a filosofia - que é a disposição para designar onde intervêm as questões conjuntas do ser e d'o-que-advém - nasce na Grécia, é porque aí a ontologia estabelece, com os primeiros matemáticos dedutivos, a forma obrigatória de seu discurso. É o intricamento filosófico-matemático - legível até no poema de Parmênides pelo uso do raciocínio apagógico - que faz da Grécia o sítio original da filosofia, e define, até Kant, o domínio "clássico" de seus objetos.

No fundo, afirmar que as matemáticas efetuam a ontologia desagrada aos filósofos porque essa tese os despoja por completo do que continuava a ser o centro de gravidade de sua fala, o último refúgio de sua identidade. As matemáticas, de fato, não têm hoje necessidade alguma da filosofia, e assim, podemos dizer, o discurso sobre o ser se perpetua "sozinho". É característico, aliás, que esse "hoje" seja determinado pela criação da teoria dos conjuntos, da lógica matemática, e depois da teoria das categorias e dos topoi. Esse esforço, ao mesmo tempo reflexivo e intramatemático, torna a matemática segura o bastante do seu ser - embora ainda cegamente - para atender doravante às necessidades de seu avanço.




O SER E O EVENTO (3)


[Introdução; O SER E O EVENTO; ALAIN BADIOU; JZE; Editora UFRJ]


A consistência produtiva do pensamento dito "formal" não lhe pode vir unicamente de seu arcabouço lógico. Ele não é - justamente - uma forma, uma episteme, ou um método. É uma ciência singular. É isso que o sutura ao ser (vazio), ponto em que as matemáticas se desvinculam da lógica pura, que estabelece sua historicidade, os impasses sucessivos, as refusões espetaculares, e a unidade sempre reconhecida. Sob esse aspecto, para o filósofo, o corte decisivo, em que a matemática se pronuncia cegamente sobre sua própria essência, é criação de Cantor. Somente aí é finalmente significado que, seja qual for a prodigiosa diversidade dos "objetos" e das "estruturas" matemáticas, eles são todos designáveis como multiplicidades puras edificadas, de maneira regrada, a partir unicamente do conjunto vazio. A questão da natureza exata da relação das matemáticas com o ser está, portanto, inteiramente concentrada - na época em que estamos - na decisão axiomática que autoriza a teoria dos conjuntos.

O fato de essa axiomática estar ela própria em crise, desde que Cohen estabeleceu que o sistema de Zermelo-Fraenkel não podia prescrever o tipo de multiplicidade do contínuo, só podia aguçar minha convicção de que ali se disputava uma partida crucial, ainda que absolutamente despercebida, relativa ao poder da linguagem no tocante ao que, do ser-enquanto-ser, se deixa matematicamente pronunciar. Parecia-me irônico que, na Teoria do Sujeito, eu só tivesse utilizado a homogeneidade "conjuntista" da linguagem matemática como paradigma das categorias do materialismo. Divisava, além disso, consequências muito agradáveis para a asserção: "matemáticas = ontologia".

Em primeiro lugar, esta asserção nos livra da venerável busca do "fundamento" das matemáticas, pois o caráter apodíctico dessa disciplina é ganho diretamente pelo próprio ser, que ela pronuncia. 

Em segundo lugar, ela esvazia o problema, igualmente antigo, da natureza dos objetos matemáticos. Objetos ideais (platonismo)? Objetos extraídos por abstração da substância sensível (Aristóteles)? Ideias inatas (Descartes)? Objetos construídos na intuição pura (Kant)? Na intuição operatória finita (Brower)? Convenções de escrita (formalismo)? Construções transitivas de lógica pura, tautologias (logicismo)? Se o que enuncio é defensável, a verdade é que não há objetos matemáticos. As matemáticas não apresentam, no sentido estrito, nada, sem que por isso sejam um jogo vazio, pois nada ter a apresentar, salvo a própria apresentação, isto é, o Múltiplo, e jamais convir assim à forma de ob-jeto, é certamente uma condição de todo discurso sobre o ser enquanto ser.

Em terceiro lugar, no tocante à "aplicação" das matemáticas às ciências ditas da natureza, a cujo propósito indagamos periodicamente o que autoriza seu sucesso - para Descartes ou Newton foi preciso Deus, para Kant, o sujeito transcendental, após o que a questão não foi mais seriamente praticada, senão por Bachelard, numa visão ainda constituinte, e pelos adeptos americanos da estratificação das linguagens -, vemos de imediato a luz que lança sobre isso o fato de que as matemáticas sejam concebidas como ciência, em qualquer hipótese, de tudo que é, enquanto é. A física, por sua vez, entra na apresentação. Ela precisa de mais, ou antes, de outra coisa. Mas sua compatibilidade com as matemáticas é de princípio.

Naturalmente, os filósofos estiveram muito longe de ignorar que devia haver uma ligação entre a existência das matemáticas e a questão do ser. A função paradigmática das matemáticas corre desde Platão (e, sem dúvida de Parmênides) a Kant, que ao mesmo tempo leva seu uso ao ápice - a ponto de saudar, no nascimento das matemáticas, indexado a Tales, um evento salvador para toda a humanidade (essa era também a opinião de Espinosa) - e, pela "inversão copernicana", esgota seu alcance, pois é o fechamento de todo acesso ao ser-em-si que funda a universalidade (humana, demasiadamente humana) das matemáticas. A partir disso, fora Husserl, que é um grande clássico atrasado, a filosofia moderna (entendamos: pós-kantiana) não será mais obsedada senão pelo paradigma histórico, e, afora algumas exceções louvadas e rejeitadas, como Cavaillès e Lautman, abandonará as matemáticas à sofistica linguageira anglo-saxã. Na França, é preciso dizê-lo, até Lacan. 

É que os filósofos, que julgavam ter eles próprios constituído o campo onde a questão do ser ganha sentido, dipuseram, desde Platão, as matemáticas como modelo da certeza, ou como exemplo da identidade, embaraçando-se depois na posição especial dos "objetos" que articulavam essa certeza ou essas idealidades. Daí uma relação ao mesmo tempo permanente e distorcida  entre filosofia e matemática, a primeira oscilando, para avaliar a segunda, entre a dignidade eminente do paradigma racional e o desprezo em que era mantida a insignificância de seus "objetos". De fato, que podiam valer números e figuras - categorias da "objetividade" matemática durante vinte e três séculos - comparados a Natureza, ao Bem, a Deus ou ao Homem? A não ser pelo fato de que a "maneira de pensar" em que esses magros objetos brilhavam sob as luzes da certeza demonstrativa parecia abrir caminho para certezas menos precárias sobre as entidades muito mais gloriosas da especulação.

No máximo, se chegamos a decifrar o que diz Aristóteles, Platão imaginava uma arquitetura matemática do ser, uma função transcendente dos números ideais. Ele recompunha igualmente um cosmo a partir dos polígonos regulares, é o que lemos no Timeu. Mas essa empresa, que encadeia o ser como Todo (a fantasia do mundo) a um estado dado das matemáticas, pode engendrar apenas imagens perecíveis. A física cartesiana escapou a isso.

A tese que sustento não declara em absoluto que o ser é matemático, isto é, composto de objetividades matemáticas. Não é uma tese sobre o mundo, mas sobre o discurso. Ela afirma que as matemáticas, em todo seu devir histórico, pronunciam o que é dizível do ser-enquanto-ser. Longe de se reduzir a tautologias (o ser é o que é) ou a Mistérios (aproximação sempre diferida de uma Presença), a ontologia é uma ciência rica, complexa, inacabável, submetida ao duro jogo de uma fidelidade (no caso, a fidelidade dedutiva), e é assim que se revela que, na mera organização do discurso do que se subtrai a toda apresentação, podemos ter diante de nós uma tarefa infinita e rigorosa.

O ressentimento dos filósofos provém unicamente de que, se é exato que foram os filósofos que formularam a questão do ser, não foram eles, mas os matemáticos, que efetuaram a resposta a essa questão. Tudo que sabemos, e poderemos jamais saber, do ser-enquanto-ser, é disposto, na mediação de uma teoria pura do múltiplo, pela historicidade discursiva das matemáticas.

Russel dizia - sem acreditar nisso, é claro; na verdade ninguém jamais acreditou, salvo os ignorantes, o que certamente Russel não era - que as matemáticas são um discurso em que não se sabe do que se fala, nem que o que se diz é verdade. As matemáticas são, ao contrário, o único discurso que "sabe" absolutamente do que fala: o ser, como tal, ainda que esse saber não tenha nenhuma necessidade de ser refletido de maneira intramatemática, pois o ser não é um objeto, nem prodigaliza objetos. E é também o único, como se sabe, em que se tem a garantia integral, e o critério, da verdade do que se diz, a tal ponto que essa verdade é a única integralmente transmissível jamais encontrada.


    


  

sexta-feira, 24 de abril de 2015

O SER E O EVENTO (2)



[Introdução; O SER E O EVENTO; ALAIN BADIOU; Jorge Zahar Editor; Editora UFRJ]



O enunciado (filosófico) segundo o qual as matemáticas são a ontologia - a ciência-do-ser-enquanto-ser - foi a réstia de luz que iluminou a cena especulativa que, em minha Teoria do Sujeito, eu havia limitado, pressupondo pura e simplesmente que "havia" subjetivação. A compatibilidade desta tese com uma ontologia possível me preocupava, pois a força - e a absoluta fraqueza - do "velho marxismo", do materialismo dialético, fora postular tal compatibilidade sob a forma da generalidade das leis da dialética, isto é, afinal da contas, do isomorfismo entre a dialética da natureza e a dialética da história. Sem dúvida, esse isomorfismo (hegeliano) era natimorto. Quando nos batemos, até hoje, do lado de Prigogine e da física atômica para encontrar aí corpúsculos dialéticos, não passamos de sobreviventes de uma batalha que nunca foi seriamente travada senão sob as injunções um tanto brutais do Estado stalinista. A Natureza e sua dialética nada tem a ver com isso. Mas que o processo-sujeito seja compatível com o que é pronunciável - ou pronunciado - do ser, eis uma dificuldade séria, que, aliás, eu havia apontado na pergunta feita sem rodeios por Jacques-Alain Miller a Lacan em 1964: "Qual é sua ontologia?" Nosso mestre, esperto, respondeu por uma alusão ao não-ente, o que era apropriado, mas curto. Da mesma maneira, Lacan, cuja obsessão matemática só fez crescer com o tempo, havia indicado que a lógica pura era "ciência do real". O real continua sendo, contudo, uma categoria do sujeito.

Tateei durante vários anos em torno dos impasses da lógica - uma exegese cerrada dos teoremas de Lowënhein-Gödel, de Tarski - sem ultrapassar o quadro da Teoria do Sujeito senão pela sutileza técnica. Sem me dar conta, eu continuava sob o domínio de uma tese logicista, que sustenta que a necessidade dos enunciados lógico-matemáticos é formal, porquanto resulta da erradicação de todo efeito de sentido, e que, de todo modo, não convém interrogar sobre aquilo por que esses enunciados são responsáveis, fora de sua consistência. Eu me enredava na consideração de que, supondo que há um referente do discurso lógico-matemático, não escapávamos da alternativa de pensá-lo, seja como "objeto" obtido por abstração (empirismo), seja como Ideia supra-sensível (platonismo), dilema em que nos encurrala a distinção anglo-saxã universalmente reconhecida entre as ciências "formais" e as ciências "empíricas". Nada disso era coerente com a clara doutrina lacaniana segundo a qual o real é o impasse da formalização. Eu estava no caminho errado.


Foi finalmente ao acaso de pesquisas bibliográficas e técnicas sobre o par discreto/contínuo que passei a pensar que era preciso mudar de terreno, e formular, quanto às matemáticas, uma tese radical. Pois o que me pareceu constituir a essência do famoso "problema do contínuo" era que tocávamos aí um obstáculo intrínseco ao pensamento matemático, em que se dizia o impossível próprio que lhe funda o domínio. Considerando bem os paradoxos aparentes das investigações recentes sobre a relação entre um múltiplo e o conjunto de suas partes, acabei por pensar que só havia aí figuras inteligíveis se admitíssemos de antemão que o Múltiplo seja, para os matemáticos, não um conceito (formal) construído e transparente, mas um real cujo descompasso interior, e o impasse, a teoria manifestava.


Cheguei então à certeza de que era preciso postular que as matemáticas escrevem aquilo que, do próprio ser, é pronunciável no campo de uma teoria pura do Múltiplo. Toda a história do pensamento racional pareceu-me esclarecer-se a partir do momento em que adotávamos a hipótese de que as matemáticas, longe de serem um jogo sem objeto, extraem a severidade excepcional da sua lei do fato de estarem condenadas a sustentar o discurso ontológico. Por uma inversão da questão kantiana já não se tratava de perguntar: "Como a matemática pura é possível?" e de responder: graças ao sujeito transcendental. Mas sim: sendo a matemática pura ciência do ser, como um sujeito é possível?





quarta-feira, 15 de abril de 2015

O SER E O EVENTO (1)





[Parte 1 da Introdução do livro "O SER E O EVENTO" de autoria de ALAIN BADIOU]


Admitamos que hoje, na escala mundial, seja possível começar a análise do estado da filosofia pela suposição dos três enunciados que se seguem:

1. Heidegger é o último filósofo universalmente reconhecível.

2. A figura da racionalidade científica é conservada como paradigma, de maneira dominante, pelos dispositivos de pensamento, sobretudo norte-americanos, que se seguiram às mutações matemáticas, às da lógica e aos trabalhos do círculo de Viena.

3. Está em desenvolvimento uma doutrina pós-cartesiana do sujeito, cuja origem pode ser atribuída a práticas não filosóficas (a política, ou a relação instituída com as "doenças mentais"), e cujo regime de interpretação, marcado pelos nomes de Marx (e Lenin), de Freud (e Lacan), está enredado em operações, clínicas ou militantes, que excedem o discurso transmissível.

Que há de comum nestes três enunciados? Não há dúvida de que designam, cada um a sua maneira, o fecho de uma época inteira do pensamento e de seus desafios. Heidegger, no elemento da desconstrução da metafísica, pensa a época como regida por um esquecimento inaugural, e propõe um retorno grego. A corrente "analítica" anglo-saxã desqualifica a maior parte das frases da filosofia clássica como desprovidas de sentido, ou limitadas ao exercício livre de um jogo de linguagem. Marx anunciava o fim da filosofia, e sua realização prática. Lacan fala de "antifilosofia", e prescreve ao imaginário a totalização especulativa.

Por outro lado, o que há de incongruente nestes enunciados salta aos olhos. A posição paradigmática da ciência, tal como, até em sua negação anarquizante, ela organiza o pensamento anglo-saxão, é assinalada por Heidegger como um efeito último, e niilista, da disposição metafísica, ao passo que Freud e Marx conservam seus ideais, e que o próprio Lacan reconstituía nela, pela lógica e a topologia, os esteios de eventuais matemas. A ideia de uma emancipação, ou de uma salvação, é proposta por Marx ou Lenin no modo de uma revolução social, mas é considerada por Freud ou Lacan com um pessimismo cético, considerada por Heidegger na antecipação retroativa do "retorno dos deuses", enquanto, grosso modo, os americanos se contentam com o consenso em torno dos procedimentos da democracia representativa.

Há, portanto, acordo geral quanto a convicção de que nenhuma sistemática especulativa é concebível, e de que está encerrada a época em que a proposição de uma doutrina do nó ser/não-ser/pensamento (se admitirmos que é desse nó que, desde Parmênides, se origina o que chamamos "filosofia") podia ser feita na forma de um discurso acabado. O tempo do pensamento está aberto para um regime de apreensão diferente.

Há desacordo quanto à questão de saber se essa abertura, cuja essência é encerrar a idade metafísica, se indica como revolução, como retorno, ou como crítica.

Minha própria intervenção nessa conjuntura consiste em traçar nela uma diagonal, pois o trajeto de pensamento que tento passa por três pontos suturados, cada um, num dos três lugares que os enunciados acima designam. 

- Com Hidegger, vamos sustentar que é do ângulo da questão ontológica que se sustenta a re-qualificação da filosofia como tal.

- Com a filosofia analítica, afirmaremos que a revolução matemático-lógica de Frege-Cantor fixa orientações novas para o pensamento.

- Admitiremos, por fim, que nenhum aparato conceitual é pertinente se ele não for homogêneo às orientações teórico-práticas da doutrina moderna do sujeito, ela própria interior a processos práticos (clínicos ou políticos).

Esse trajeto remete a periodizações imbricadas,
cuja unificação, a meu ver arbitrária, conduziria à escolha unilateral de uma das três orientações contra as demais. Vivemos uma época complexa, se não confusa, visto que as rupturas e as continuidades de que ela se entretece não se deixam subsumir sob um vocabulário único. Não há hoje "uma" revolução (ou "um" retorno, ou "uma" crítica). Eu tenderia a resumir assim o múltiplo temporal descompassado que organiza nossa situação:

1. Somos contemporâneos de uma terceira época da ciência, após a grega e a galileana. A cesura nomeável que abre esta terceira época não é (como no caso da grega) uma invenção - a das matemáticas demonstrativas -, nem (como a galileana) um corte - aquele que matematiza o discurso físico. É uma reorganização, a partir da qual se revelam a natureza da base matemática da racionalidade e o caráter da decisão de pensamento que a estabelece.

2. Somos igualmente contemporâneos de uma segunda época da doutrina do Sujeito, que não é mais o sujeito fundador, centrado e reflexivo, cujo tema se estende de Descartes a Hegel, e ainda permanece legível até Marx e Freud (e até Husserl e Sartre). O sujeito contemporâneo é vazio, clivado, a-substancial, irreflexivo. Aliás, ele pode apenas ser suposto no tocante a processos particulares cujas condições são rigorosas.

3. Somos, por fim, contemporâneos de um começo no que diz respeito à doutrina da verdade, depois que sua relação de consecutividade orgânica com o saber se desfez. Percebemos retroativamente que, até agora, reinou absoluta o que chamarei aqui a veridicidade; e, por estranho que isso possa parecer, convém dizer que a verdade é uma palavra nova na Europa (e alhures). De resto, esse tema da verdade atravessa Heidegger (que é o primeiro a subtraí-lo ao saber), os matemáticos (que no fim do século XIX romperam tanto com o objeto quanto com a adequação) e as teorias modernas do sujeito (que excentram a verdade de sua pronunciação subjetiva).

A tese inicial de minha empreitada, aquela a partir da qual dispomos o imbricamento das periodizações, extraindo o sentido de cada uma, é a seguinte: a ciência do ser-enquanto-ser existe desde os gregos, pois esse é o estatuto e o sentido das matemáticas. Somente hoje, porém, temos os meios de saber tal coisa. Dessa tese decorre que a filosofia não tem por centro a ontologia - a qual existe como disciplina exata e separada -, mas circula entre essa ontologia, as teorias modernas do sujeito e sua própria história. O complexo contemporâneo das condições da filosofia abarca, por certo, tudo a que se referem meus três enunciados primeiros: a história do pensamento "ocidental", as matemáticas pós-cantorianas, a psicanálise, a arte contemporânea e a política. A filosofia nem coincide com nenhuma dessas condições, nem elabora sua totalidade. Ela deve apenas propor um quadro conceitual onde possa se refletir a compossibilidade contemporânea desses elementos. Só o pode fazer - pois é isso que a despoja de toda ambição fundadora, em que se perderia - designando entre suas próprias condições, e como situação discursiva singular, a própria ontologia, sob a forma das matemáticas puras. É isso, propriamente, o que a liberta, e a consagra finalmente ao zelo das verdades.

     

quinta-feira, 9 de abril de 2015

DESERTO DO SAARA ENCHE A AMAZÔNIA DE POEIRA


[Notícia publicada no jornal O GLOBO]


A transferência de poeira do deserto do Saara para a Amazônia já era conhecida, mas agora cientistas mediram o volume de material transportado.

Usando satélites, a NASA estimou que, por ano, 182 milhões de toneladas de poeira são carregados pelo vento e cruzam os 2,5 mil quilômetros que separam a América do Sul da África, sendo que 27,7 milhões de toneladas da poeira, o suficiente para encher 105 mil caminhões, são depositadas na floresta.

 


POST-SCRIPTUM:

Esse é o tipo de notícia que me deixa particularmente perplexo.

Quem sabe que tipo de consequência potencialmente danosa pode advir para a floresta amazônica ao longo do tempo?



sábado, 4 de abril de 2015

SOMOS VIÁVEIS? (2)


[ARNALDO BLOCH; O GLOBO - SEGUNDO CADERNO; 07.03.2015]


Pouco tempo atrás, acreditávamos que havíamos chegado a um estágio em que o arsenal nuclear se reduziria até ser coisa do passado. O que vemos hoje? Chantagem nuclear e potências armadas até os dentes. Acreditávamos que a democracia era o caminho definitivo, universal.

O que vemos? Opositores sendo assassinados na Rússia, um juiz que investiga o governo sendo baleado na Argentina, um governo democrata nos EUA que espiona seus parceiros, colossos de corrupção por toda a parte e um esforço por debelá-la menos associado à pura justiça e mais a serviço do puro interesse político, num jogo de troca de posto que se eterniza.




Acreditávamos que o racismo e a xenofobia seriam em breve varridos do chamado velho mundo. O que vemos? A Europa em crise, polvilhada de poderosos partidos de extrema direita que ganham popularidade ano a ano, fechando os olhos para a exploração sanguinária que promoveram contra os povos que hoje querem expulsar.





Acreditávamos que os países de maioria muçulmana rumavam para uma discussão profunda sobre suas sociedades, assinalada pela Primavera Árabe. O que vemos um ano depois? A ascensão do Estado Islâmico, enterrando populações vivas e empreendendo um programa de expansão com tentáculos invisíveis pelo mundo inteiro, usando a tecnologia digital para uma campanha de recrutamento planetária.

 

Acreditávamos que a cultura continuaria a dialogar com a ciência e a filosofia em busca de uma boa interseção entre a razão e os mistérios que ainda (talvez nunca) decifraremos. O que vemos? A ciência demonizada e um crescimento cada vez maior da escravidão às crendices e às religiões, numa marcha que arrisca jogar a Humanidade de volta à Idade Média. E, paralelamente, um paradoxal culto cientificista em busca de respostas objetivas para tudo. É a era dos especialistas: tenta-se assassinar o mistério, inclusive a subjetividade da arte, que se institucionaliza.



Nós, porta-vozes dos feitos e desfeitos da Humanidade, que se crê no topo da evolução, deveríamos nos perguntar, antes mesmo de nos situarmos no ranking evolucionário, se a espécie é, simplesmente, viável, ou não.

Se não está destinada a se extinguir muito antes que milhões de outras espécies desapareçam. Se isto acontecer, quem decidirá, divulgará e publicará notícias sobre o nosso papel na História do Universo?


POST-SCRIPTUM:





É preciso dizer mais?



sábado, 21 de março de 2015

LEONARD NIMOY R.I.P.



Homenagem póstuma ao grande Leonard Nimoy, falecido recentemente.

POST-SCRIPTUM:


Ele foi até onde nenhum homem jamais esteve.
Ele teve uma vida longa e próspera.
Ele não será esquecido.




sexta-feira, 20 de março de 2015

SOMOS VIÁVEIS? (1)

    




  [ARNALDO BLOCH; O GLOBO - SEGUNDO CADERNO; 07.03.2015]

Um dos traços característicos da espécie humana é a crença de que, entre os demais seres vivos conhecidos, estamos no topo da evolução. Nossas capacidades de refletir sobre nós mesmos, formular hipóteses, destrinchar as causas naturais para os fenômenos e nossa consciência, que permite transcender o simples viver, são consideradas valiosas. Mas nunca perguntamos: valiosas para quem e para quê?
O planeta se lixa para nós. O Cosmo não está nem aí. Os animais são esculachados. As florestas, montanhas, geleiras; os mares, os rios - estão indo para o brejo. Resta, então, a hipótese de que somos valiosos para nós mesmos. De que nossa busca é o estágio em que o Universo toma consciência de si, num processo que ainda está na infância, mas resultará, um dia, em algo grande para nós e para o todo.


Mas, se olharmos com cuidado, a julgar pelo ponto a que chegamos, nem essa hipótese (sermos valiosos para nós) se sustenta. No máximo, pode-se considerar que um indivíduo pode ser feliz por um tempo determinado, mas nem isso é uma obra que a espécie realizou: é um benefício que a vida, a natureza, conferem a um ser, e pelo qual deveríamos agradecer humildemente.

De resto, que evolução é esta que o humano alcançou? Mesmo dentro de nossas conceituações do que seja bom ou mal para a Humanidade, qualquer progresso que se verifique está, sempre, sub judice. A própria ideia de progresso vive em xeque: o crescimento irrefreado, que é o ideal de qualquer pensamento econômico aceito, é obviamente destinado ao desastre. Mesmo se deixarmos de lado os sinais claros de que esse paradigma está destruindo a vida em sociedade, é uma questão de matemática rudimentar: a Terra tem uma determinada extensão. Logo, a multiplicação de objetos, edificações, veículos, propriedades, e da população, tem um limite. De espaço, de recursos, de energia, de meios, de motivação.

Mesmo assim, o crescimento, puro e simples, infinito, é o único que vale para qualquer índice que calcule a prosperidade de uma nação, como se não houvesse um horizonte final (em outras palavras, danem-se as próximas gerações, o que importa é o mundo agora). Se há um discurso e um movimento planetários em prol da preservação ou até conceitos malucos como o do descrecimento, a comunidade das nações não dá qualquer sinal de que possa haver uma concórdia sobre as providências no sentido de uma decisiva mudança de postura global.

Falam mais alto as paixões, a sede de potência e de acúmulo, guiados pela certeza da morte, e a compulsão pela otimização do gozo numa corrida contra o relógio que leva a tumba.

POST-SCRIPTUM:


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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

JE SUIS CHARLIE

[Editado de um artigo de autoria de ARNALDO BLOCH, publicado no jornal O GLOBO em 17.01.2015]


Saiu uma tirinha de humor no Facebook (não descobri autoria nem fonte) em que um sujeito pergunta: "Quem somos?". Um grupo responde: "Somos todos Charlie." O sujeito retruca: "Mas o que queremos?". O grupo: "A verdade, a justiça, a liberdade de imprensa e a paz mundial". O sujeito: " "Como vamos conseguir?". No último quadrinho só um texto: "Com a ajuda do Obama,da CIA, do Pentágono, do FBI, do serviço secreto israelense, dos maiores fabricantes de armas do mundo, da mídia ocidental, dos países que colonizaram a África, dos sheiks árabes, da extrema-direita francesa, da Grã-Bretanha".

Estamos ferrados? Bem possível que sim, pois ainda não se provou que a espécie humana, com Deus ou sem Deus, é viável. Porém, por má-fé ou ingenuidade, cria-se a ideia de que os agentes da salvaguarda são um Ocidente malvado, onde toda a mídia é inimiga. Tesouram-se os pacifistas, a ONU, os diplomata que dão o sangue para impedir guerras piores, as conversas multilaterais, os moderados, as campanhas que, nas redes sociais, sobrevivem à estupidez, e a esquerda francesa que chocada com a própria submissão ao lobby extremista, liderou a marcha na Republique.



Óbvio que, na configuração da geopolítica atual, é impossível que a CIA, a Alemanha, o Mossad, os líderes árabes, os sheiks, as ex-colônias na África do Norte e tantas outras esferas não estejam na luta contra o avanço que ameaça o pouco que se conseguiu de coesão entre as nações do mundo. Um mundo que busca um status em que suas terríveis contradições,  suas injustiças, sua loucura corporativa, seu cassino financeiro (que esmaga toda força produtiva) se inspiram em certa ideia de democracia.

Contudo, é terrorismo ideológico dizer que esta é apenas uma guerra entre o perverso Ocidente e a malvada cultura islâmica. Os "malvados" estão dos dois lados, ou de todos os lados que formam o poliedro da grande confusão. Lados que formam alianças tácitas, às vezes inconscientes, com seus inimigos.


O judeu que matou Rabin não integrava qualquer grupo organizado. Era como o louco que matou Lennon. O que se combate, hoje, é, sim, o terrorismo islâmico, como se combateria qualquer terrorismo pancontinental, que reunisse método, massa e distribuição global de células explosivas. De resto Islã é paz, e o diálogo é o antídoto da guerra. Um diálogo paralelo e a longo prazo. Pois, agora, o que temos, que pena, é a batalha.



POST-SCRIPTUM:

Tudo está perdoado. Ou não?