[ARNALDO BLOCH; O GLOBO - SEGUNDO CADERNO; 07.03.2015]
Pouco tempo atrás, acreditávamos que havíamos chegado a um estágio em que o arsenal nuclear se reduziria até ser coisa do passado. O que vemos hoje? Chantagem nuclear e potências armadas até os dentes. Acreditávamos que a democracia era o caminho definitivo, universal.
O que vemos? Opositores sendo assassinados na Rússia, um juiz que investiga o governo sendo baleado na Argentina, um governo democrata nos EUA que espiona seus parceiros, colossos de corrupção por toda a parte e um esforço por debelá-la menos associado à pura justiça e mais a serviço do puro interesse político, num jogo de troca de posto que se eterniza.
Acreditávamos que o racismo e a xenofobia seriam em breve varridos do chamado velho mundo. O que vemos? A Europa em crise, polvilhada de poderosos partidos de extrema direita que ganham popularidade ano a ano, fechando os olhos para a exploração sanguinária que promoveram contra os povos que hoje querem expulsar.
Acreditávamos que os países de maioria muçulmana rumavam para uma discussão profunda sobre suas sociedades, assinalada pela Primavera Árabe. O que vemos um ano depois? A ascensão do Estado Islâmico, enterrando populações vivas e empreendendo um programa de expansão com tentáculos invisíveis pelo mundo inteiro, usando a tecnologia digital para uma campanha de recrutamento planetária.
Acreditávamos que a cultura continuaria a dialogar com a ciência e a filosofia em busca de uma boa interseção entre a razão e os mistérios que ainda (talvez nunca) decifraremos. O que vemos? A ciência demonizada e um crescimento cada vez maior da escravidão às crendices e às religiões, numa marcha que arrisca jogar a Humanidade de volta à Idade Média. E, paralelamente, um paradoxal culto cientificista em busca de respostas objetivas para tudo. É a era dos especialistas: tenta-se assassinar o mistério, inclusive a subjetividade da arte, que se institucionaliza.
Nós, porta-vozes dos feitos e desfeitos da Humanidade, que se crê no topo da evolução, deveríamos nos perguntar, antes mesmo de nos situarmos no ranking evolucionário, se a espécie é, simplesmente, viável, ou não.
Se não está destinada a se extinguir muito antes que milhões de outras espécies desapareçam. Se isto acontecer, quem decidirá, divulgará e publicará notícias sobre o nosso papel na História do Universo?
POST-SCRIPTUM:
É preciso dizer mais?
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