['INTRODUÇÃO' da obra “O Imaginário: Ensaio Acerca das Ciências e da Filosofia da Imagem”, de Gilbert Durand; tradução de René Eve Levié; Coleção 'Enfoques – Filosofia', da editora Difel; 1998]
Seria muito banal afirmar que os enormes progressos das técnicas de reprodução por imagem (a fotografia, o cinema, os vídeos, “as imagens de síntese”, etc.) e de seus meios de transmissão (o belinógrafo, a televisão, o fax, etc.) permitiram ao século 20 acompanhar a construção de uma “civilização da imagem”. Por conseguinte, torna-se fácil imaginar uma inflação de imagens prontas para o consumo tenha transtornado completamente as filosofias, que até então dependiam do que alguns denominam “a galáxia de Gutenberg”, isto é, a supremacia da imprensa e da comunicação escrita – com sua enorme riqueza de sintaxes, retóricas, e todos os processos de raciocínio – sobre a imagem mental (a imagem perceptiva, das lembranças, das ilusões, etc.) ou icônica (o figurativo pintado, desenhado, esculpido e fotografado...).
As civilizações não-ocidentais nunca separaram as informações (digamos, “as verdades”) fornecidas pela imagem daquelas fornecidas pelos sistemas de escrita. Os ideogramas (o signo escrito copia algo num desenho quase estilizado sem limitar-se a reproduzir os signos convencionais, alfabéticos e os sons da língua falada) dos hieróglifos egípcios ou os caracteres chineses, por exemplo, misturam com eficácia os signos das imagens e as sintaxes abstratas. Em contrapartida, antigas e importantes civilizações como a América pré-colombiana, a África negra, a Polinésia, etc., mesmo possuindo uma linguagem e um sistema rico em objetos simbólicos, jamais utilizaram uma escrita.
Todas estas civilizações não-ocidentais, em vez de fundamentarem seus princípios de realidade numa verdade única, num único processo de dedução da verdade, num modelo único do Absoluto sem rosto e por vezes inominável, estabeleceram seu universo mental, individual e social em fundamentos pluralistas, portanto diferenciados.
Aqui, toda diferença (alguns mencionariam um “politeísmo de valores”) é percebida como uma figuração diferenciada com qualidades figuradas e imaginárias. Portanto, todo politeísmo ipso facto é receptivo às imagens (iconófilo) quando não aos ídolos (êidolon, em grego, significa “imagem”). Ora, o Ocidente, isto é, a civilização que nos sustenta a partir do raciocínio socrático e seu subseqüente batismo cristão, além de desejar ser considerado, e com muito orgulho, o único herdeiro de uma única Verdade, quase sempre desafiou as imagens. É preciso frisar que este paradoxo de uma civilização, a nossa, que por um lado, propiciou ao mundo as técnicas, em constante desenvolvimento, de reprodução da comunicação das imagens e, por outro, do lado da filosofia fundamental, demonstrou uma desconfiança iconoclasta (que “destrói” as imagens ou, pelo menos, suspeita delas) endêmica.
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