terça-feira, 13 de julho de 2010

FÉ E VONTADE




Fé, no meu entender, seria apostar na possibilidade de superação das circunstâncias e limitações, na coragem de ir adiante apesar de tudo e de todos, nas possibilidades infinitas do devir, extrapolando toda e qualquer crença em "seres superiores" ou "realidades transcendentes", no sentido que lhes atribuem a metafísica tradicional (sem necessariamente negar a possibilidade de suas existências, mas condicionando-as a uma indispensável discussão sobre suas naturezas e fundamentos).

Uso o termo 'fé' de forma puramente convencional, por praticidade, na medida em que engloba a definição de "crer, confiar e apostar" em algo, mesmo tendo consciência de que remete a conteúdos teológicos, os quais não rejeito de antemão, mas que faço questão de interpretar segundo perspectivas filosóficas, simbólicas, mitológicas, psicológicas, sociológicas, antropológicas ou literárias, mas nunca de forma literal (ou, pelo menos, nunca segundo a perspectiva da literalidade convencional).

É um sentimento até certo ponto irracional, como o é a fé teológica, não há dúvida, mas infinitamente diferente em sua sutileza e profundidade filosófica. Afinal de contas, não há argumento definitivo contra o papel salutar de um pouco de irracionalidade; o que não é produtivo é abandonarmos completamente a racionalidade em favor de um emocionalismo fácil, sedutor e, em última análise, pernicioso.

Alguém já disse que é muito fácil acreditar em Deus, que ele não é nenhum “bicho-de-sete-cabeças”.

Sem querer defender posições, mas esse é um dos problemas com o conceito tradicional de 'Deus': ele é "um bicho que só tem uma cabeça", ou seja, ele é unilateral, parcial e limitado sob muitos aspectos (para não dizer simplório e ingênuo), além de contraditório segundo a estrita lógica formal, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, se pretende absoluto, onipotente e infinito, num universo, tanto mental quanto físico, que continua dando provas de ser, cada vez mais, múltiplo e indefinível.

Não que eu seja completamente impermeável à idéia de paradoxo, muito pelo contrário, mas para admiti-lo só com um longo trabalho de reformulação de valores e conceitos para muito além daqueles pressupostos pela teologia convencional.

Apesar da teologia pretender tratar do sagrado, sob certo ponto de vista bem específico nem todo sagrado tem a ver com teologia. As religiões decorrem, em princípio e em parte, do reconhecimento da dimensão do sagrado, mas o reconhecimento deste não precisa levar, necessariamente, a alguma religião organizada em dogmas e hierarquias.

A questão de "acreditar em Deus do seu jeito" está na ênfase que se dá a "Deus" ou a "do seu jeito". Pois "o meu jeito" de acreditar em um fundamento ontológico tem muito pouco, ou quase nada, a ver com o deus "bonzinho" da moralidade cristã. E sua utilidade maior reside em não dar passagem ao niilismo improdutivo, mas pelo contrário, à realização de que, colocando em termos simples e da forma o mais genérica possível, "querer é poder".


POST-SCRIPTUM:


E se alguém quiser compreender o sentido cabalístico do ‘nome de Deus’ (IHVH, ou "Eu Sou") vai encontrar muita semelhança com a visão do budismo, na medida em que o interprete como você mesmo falando de si para si: "Eu sou Deus". E todos e tudo o mais também o são. O caminho que se tomar a partir daí fica à vontade do freguês, com todas as vantagens e desvantagens decorrentes, bem como toda a responsabilidade assumida implicitamente. Ou, como já dizia o bardo, "se o bem e o mal existem, é preciso escolher"...


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