terça-feira, 13 de julho de 2010

HOMENS E ANIMAIS



































Não penso ser o caso de comparações entre exemplos particulares, até porque, efetivamente, não existe igualdade na natureza; o que há são características genéticas e morfológicas que, mais ou menos, assemelham os indivíduos de uma suposta mesma espécie a um padrão genérico convencionado.

Tal padrão é, até certo ponto, inegavelmente arbitrário, mas nem por isso absurdo na medida em que se fundamenta nos pressupostos lógicos de uma racionalidade eminentemente técnica que tem-se mostrado muito útil na resolução de problemas, com maior ou menor grau de sucesso, no âmbito de várias ciências (física, química, biologia, antropologia, etc.), ao longo da história do pensamento.

Mais precisamente desde, pelo menos, o Renascimento (ou talvez mesmo antes), porém com maior ênfase a partir do advento do Iluminismo e com profundas raízes fincadas no Idealismo (ainda que às vezes de forma sutil e em outras tantas vezes de forma constrangedoramente envergonhada ou até mesmo não-admitida).

Somos, portanto, segundo esta perspectiva e ainda que sob o regime de uma admissão relutante, animais sim, também sujeitos a instintos como todos os demais, mas, e aí se introduz a diferença crucial, de um tipo especial: animal humano, aristotélico-platônico, racional. Mas será que somos tão 'especiais' assim?

Ainda que a própria vida de vez em quando nos prove que esta classificação não é de forma alguma absoluta e nem mesmo a mais plausível ou muito menos a única possível, ainda assim, há que se admitir um diferencial óbvio e inescapável.

Sejam quais forem os parâmetros, o homem não é necessariamente melhor ou pior que os outros animais, mas fundamentalmente diferente num sentido bem claro. E o que nos permite apontar essa clareza de forma tão veemente é a habilidade que possui o homem de saber manipular códigos e signos em geral com complexidade e eficiencia ímpar, apesar de ser evidente que o homo sapiens não é absolutamente a única espécie dotada de capacidade criativa, comunicação (nem tão rudimentar em alguns casos, ainda que não-verbal) e hierarquia social.      

Porém, é justamente por ser capaz de dominar tão eficientemente linguagens as mais variadas possíveis que ao homem é dado legar informação e conhecimento, em quantidade e sofisticação incomparável, às gerações futuras. Este animal insólito e surpreendente é, portanto, e definitivamente, um criador de cultura. E essa é sua dádiva e sua maldição.

A própria possibilidade de concepção de um julgamento ético ou moral a respeito da 'violência', da 'crueldade' ou do 'egoísmo' humanos é uma evidencia mais que suficiente: sem uma cultura estruturada de tal e qual forma não haveria lugar para este tipo de avaliação, até porque na natureza, entre os outros animais, e ainda sob um ponto de vista inescapavelmente humano, essa é a regra impessoal e amoral.

Nesse sentido, não há como simplesmente negar esse componente diferenciador (a cultura) e pretender voltar a ser animal não-humano, 'besta-fera', mas também não é o caso de abandonar completamente certos instintos básicos e inegavelmente úteis à manutenção do indivíduo e da espécie ou, ainda, abnegadamente render-se a tradições culturais que levam a pensar o homem de forma negativa e pessimista. 

O que ocorre, efetivamente, e dessa 'nova fé' precisamos nos imbuir, é um constante aprendizado com vistas à evolução progressiva, inspirado na aposta vital e existencial de que é possível superar os impasses colocados pela próprias circunstâncias biológicas, políticas e tecnológicas. Ou seja - e as transformações psicossociais decorrentes de novas descobertas e propostas até então inéditas dentro do própirio ambiente cultural garantem tal possibilidade -, é preciso abrir mão de um certo 'esquema de pensamento' ultrapassado e abraçar um novo paradigma que permita a superação dos atuais desafios à criatividade e à própria sobrevivência do homem e do mundo em outros níveis de entendimento.

Não obstante a submissão cega proposta pela teologia tradicional aos "desígnios superiores" de divindades inescrutáveis (sem mesmo discutí-los ou procurar compreender a possibilidade da atuação de estruturas e forças impessoais e exteriores a nossa percepção limitada), de qualquer forma ou sob qualquer outro ponto de vista diferente, penso ser quase inescapável, para alguns, supor que o suicídio seja a opção mais honesta e corajosa, ainda que muitos prefiram simplesmente "assistir a tudo de cima do muro" ou hedonística e egocentricamente "curtir" a vida sem maiores preocupações, talvez por mera ignorância ou sincera perplexidade diante do reinado sombrio de que todos somos súditos nos dias atuais.

Para alguns tal estado de coisas seria o reflexo de um momento específico no ciclo cósmico da existência e que ora se manifesta como decadência (mas também como renovação), conhecido no hinduísmo como Kali Yuga. Outros talvez o interpretem como a aproximação do 'fim do mundo', ou coisa que o valha. E outros tantos simplesmente não admitem sentido algum à existencia e, sendo assim, "tanto faz como tanto fez".

Entretanto, tudo tem seu preço, e o mundo que nossos filhos e netos herdarão no futuro depende em muito do esforço que cada um de nós estiver disposto a fazer para torná-lo melhor desde já, a fim de garantir que haja um 'depois' tanto para a humanidade quanto para os outros animais. Até porque corremos o risco de que, muito em breve, os únicos seres vivos a habitarem nosso planeta sejam as baratas e as bactérias.

"E daí?", dirão alguns. "Eu só quero saber do meu, o resto que se dane", dirão outros (ou provavelmente os mesmos). É lastimável que, mesmo não sendo maioria (assim espero), provavelmente constituam uma parcela considerável da população mundial. Este tipo de 'comportamento-resposta' aos desafios do mundo - misto de indiferença com egoísmo -, não é inédito na história, mas não deixa sempre de nos surpreender a capacidade humana para a imbecilidade.     

POST-SCRIPTUM:


Este já é outro assunto, o qual, assim nos parece, tem pouco a ver com o suposto conflito 'homem x animal', ao qual talvez retornemos no futuro.


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