quarta-feira, 30 de abril de 2014

DENTADURA, SAPATO OU EMPREGO


[Texto editado de autoria de João Ubaldo Ribeiro publicado no jornal O GLOBO ]


E, lá no meu sertão, como andará a festa? O brasileiro não sabe votar, avaliação todos os dias repetida, até mesmo num texto falsamente atribuído a mim, que circulou na internet e que já desisti de desmentir. Se isso se refere aos brasileiros pobres, miseráveis ou esquecidos nos cafundós, não tenho tanta certeza de que representa a verdade. Que quer dizer "votar certo"?

O eleitor vota certo, digamos, quando vota no candidato que representa seus legítimos interesses e aspirações. Nesse caso, quando vende seu voto, ou troca por uma dentadura, um par de sapatos ou, melhor ainda, um emprego, o tal eleitor "inconsciente" não estará votando certo? Em muitos casos, somente na próxima eleição é que ele vai ver esse pessoal que ora compra o seu voto. A eleição é uma ocasião preciosa e rara que se oferece a ele.


Durante a temporada eleitoral, ele é cumprimentado, é escutado e elogiado, vira até gente e recebe alguma coisa de um mundo que o ignora e abandona o resto do tempo. Que outra serventia tem o voto para ele? Como vão caber no horizonte dele as questões discutidas pelos "esclarecidos"? Que real diferença, para ele, existe entre um deputado e outro, a não ser que um recompensa o voto com uma graninha, um sapatinho, uma dentadurazinha, uma colocaçãozinha - e o outro nem isso? 

E, como nem um nem outro jamais fizeram nada para beneficiá-lo, estará votando errado, ao ser recompensado pelo seu voto da única forma que a experiência o autoriza a ver como viável?

E os que votam "certo"? Aqui de novo há uma escala. Quem furta galinha é ladrão; quem furta muitos milhões é um financista vitimado pelas vicissitudes do mercado; quem furta bilhões é um grande homem. Matou um, é assassino; matou milhões é grande líder. Da mesma forma, quem negocia seu voto por um emprego vota errado. Em compensação, votam certo os que negociam seus votos por uma legião de empregos, como fazem os políticos profissionais, dando-nos volta e meia a vontade de pedir calma, que vai dar para todo mundo, embora, levando-se em conta a voracidade e a eficiência com que saqueiam e dissipam, talvez o seguro seja estar entre os primeiros a abocanhar, pois de repente a fonte pode secar.

  

Saber votar, por outro lado, consola pouco os que acham que sabem. Todos os objetivos de todos os candidatos são sempre os mesmos. Construir um Brasil mais justo, mais igualitário, com cidadania. E porque tal, porque vira etc. e tal. É tudo a mesma coisa, tudo fácil de dizer. E assim, mesmo nós, os que achamos que sabemos votar, enfrentamos dificuldades de escolha. 

Não estou precisando de dentadura no momento, mas um parzinho de sapatos talvez caísse bem.


POST-SCRIPTUM:

Ou quem sabe um par de tênis de marca, hein?

Falando sério e indo direto ao assunto: VOTE NULO E QUE SE FODAM OS POLÍTICOS!






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