"Parece-me que a questão decisiva da espécie humana é a de saber se, e em que medida, o seu desenvolvimento cultural será bem-sucedido em dominar o obstáculo à convivência representado pelos impulsos humanos de agressão e de autoaniquilação" - Sigmund Freud
Existe uma discussão milenar, velada ou explícita, presente em quase todas as manifestações culturais da humanidade, seja nas artes, nas ciências, nas religiões ou na filosofia, a respeito do real valor da emoção, no sentido em que esta é percebida como as tais tão criticadas ‘paixões humanas’, supostamente a origem (ou, pelo menos, uma delas) da irracionalidade, em contraposição a razão, fundamento do ‘logos’ (palavra grega da qual deriva o termo ‘lógica’) e, portanto, de todo e qualquer discurso, filosófico ou não.
Românticos e sensualistas a parte, é indiscutível que a segunda (a razão) tem tido uma significativa vantagem sobre a primeira (a emoção) nesta comparação, ao longo dos tempos.
Afinal, devem as paixões ser suprimidas ou estimuladas pelo homem?
Do meu ponto de vista, nem uma coisa nem outra.
Estas deveriam ser, antes de tudo, aceitas e compreendidas, objetivando-se o desenvolvimento de um equilíbrio, o mais harmonioso possível, no interior da alma humana.
Indiscutivelmente tal equilíbrio não é possível sem o auxílio das ferramentas do intelecto, porém, para que seja concretizado, há que se ampliar, necessariamente, o âmbito de abordagem do entendimento racional – valorizando-se a suposta ‘irracionalidade’ da mitologia clássica ou do zen-budismo, por exemplo, bem como o potencial da imaginação para criar ou descobrir o novo na literatura, na física teórica ou na comunicação entre os homens, suas relações de produção e interação com o meio ambiente – através da admissão de lógicas alternativas àquela praticada convencionalmente (aristotélico-cartesiana).
Como disse Grant Morrisson: "Não existem dualidades. Apenas simetrias". Ou seja, o conflito entre opostos é apenas ilusório. Eles se complementam necessariamente e um não existe sem o outro, assim como a luz e a sombra. E toda a relatividade, todo o "cinza" do universo, é resultante daquela tensão, real ou aparente, que gera energia potencial entre todos os pólos (ou melhor, simetrias) possíveis e imagináveis, viabilizando, assim, aquilo a que chamamos de realidade.
Metafísica? Talvez, se entendida a partir de versões equivocadas da pós-modernidade que se distanciam do horizonte conceitual fundamental em que se formou a compreensão histórica da modernidade e de sua relação com a racionalidade, atualmente postas em questão.
Parafraseando Arnold Gehlen (para discordar das conclusões do mesmo e concordar com J. Habermas), apesar de admitir que “as premissas do Iluminismo (Aufklärung) estão mortas”, ainda assim suas consequências continuam em curso e elas não são ‘apenas’ de cunho social, mas também, e eminentemente, de cunho cultural. Admitir que tal discussão esteja obsoleta em nome de um suposto pós-Iluminismo é tornar-se cúmplice, mesmo que involuntariamente, de um evidente contra-Iluminismo. E, como já dizia minha avó, "quem anda pra trás é carangueijo".
Bem diferente é buscar novos entendimentos a partir de um olhar crítico às conquistas intelectuais do passado. Até porque, síntese dialética tem a ver com superação por assimilação e incorporação e não mera rejeição e negação, função da antítese: admitir a irracionalidade não significa, necessariamente, abrir mão da racionalidade.
E que não se diga que a dialética está superada, baseando-se em argumentos no mínimo discutíveis, sob o risco de empobrecimento do pensamento. Ela é, certamente, uma ferramenta limitada (como todas o são, em última análise), mas ainda assim extremamente útil ao processo de reflexão, desde que acompanhada de outras tantas possibilidades instrumentais e não cotejada como verdade única e absoluta.
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