[Texto de autoria de Miguel Falabella]
Sarita abandonou a psicanálise. Telefonou-me de madrugada, parecendo muito feliz com a decisão.
- Freud já não explica mais nada, meu anjo - ela disse, mais ansiosa do que o habitual. - Era um escritor muito habilidoso, mas eu não posso mais perder tempo investigando nada.
- Você não gosta mais de fazer terapia?
- Não se trata disso. Tenho o outro tipo de urgência.
Ela, agora, segundo suas próprias palavras, repõe substâncias químicas que seu organismo é incapaz de produzir. Tem dormido bem e a angústia mudou-se para endereço ignorado.
Depois, disse que com a medicação vive constantemente numa frequência baixa, que lhe proporciona grande bem estar.
Sarita não está mais conseguindo absorver o mundo e a rapidez com que se desenrola o novelo das civilizações, eu penso. Ela está paralisada, como muitos de nós, tentando adivinhar um mundo que ela já não conhece e que é rápido demais para seu entendimento.
Digo a ela que não concordo. Quer dizer, concordo, em parte, mas gosto das interpretações e dos caminhos da psicanálise. Gosto de percorrer as vielas escuras da mente, quase sempre se encontra alguém interessante com quem você gostaria de trocar uma ou duas palavras.
- Literatura, meu bem. Literatura - ela disse, do outro lado da linha. Uma prática das elites, não tem nada a ver com gente normal.
Eu achei melhor não me estender, mas Sarita não se deu por vencida e ainda falou por um longo tempo. Em determinado momento, eu deixei de ouvir e fui visitar o futuro assombrado que ela anunciava, povoado por uma humanidade dopada e feliz.
Freud já não explica mais nada, então? A aventura do conhecimento interior dissolve-se com a pílula, na saliva amarga das bocas. Um mundo novo, sem dúvida.
Adormeci olhando para os céus, com medo de um meteoro perdido qualquer viesse a se chocar com a Terra, na noite mesma em que eu descobri que felicidade podia-se não desejar, ainda que estivesse ali, ao alcanca de todos.
POST-SCRIPTUM:
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