quinta-feira, 27 de março de 2014

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


[Editado de um artigo da autoria de José Miguel Wisnik, publicado no 'Segundo Caderno' do jornal O GLOBO em 12.02.2011]


Todos sabemos que a poesia não faz sucesso de massas. Walter Benjamin diz que o último caso, indissociável ao escândalo que provocou, é o de "As flores do Mal" de Baudelaire, que data de 1857.

Desde muito, o público de poesia tornou-se talvez o mais reduzido e esotérico entre todos os gêneros literários. Alguns fatos atestam, no entanto, a presença que a palavra poética chegou a ter no Brasil, e os efeitos inesperados e controvertidos que ela foi capaz de provocar.

Nenhum se compara aos rastros mirabolantes deixados pelo famigerado poema de Carlos Drummond de Andrade, o da "pedra no meio do caminho", publicado no seu livro de estréia, em 1930. Como pôde um poemeto obsessivo, circular, falando aparentemente de quase nada, ter mostrado essa potência de "bomba atômica", no dizer de Mário Quintana?

No poema a frase bate e rebate no objeto inexplicado que barra seu caminho, e dá voltas sobre si mesma sem sair do lugar: "No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra".

As boas consciências só se acalmam quando podem explicar o inexplicável, nomear o inominável, reduzindo o real a um sistema secundário de significados que o substitui e o apaga.

"No meio do caminho" desativava essa possibilidade: um poema sobre o puro limite, excessivamente literal, não se deixando metaforizar, e prendendo o leitor no mesmo círculo implacável em que estão presos, dentro dele, o sujeito e o objeto.

Pegos de surpresa nessa arapuca poética, os leitores tradicionalistas (numa época em que se dava, diga-se de passagem, importância à poesia) reagiram com irritação e deboche: o poema não fala de nada.

O mais curioso é que, numa fase posterior, consagrada pelo uso comum e adotada "a pedra no meio do caminho" quase como sinônimo de qualquer impasse, principalmente os triviais, inverteu-se o sinal: o poema fala de tudo.

Penso nisso quando vejo a estátua do poeta maior no banco de Copacabana.


POST-SCRIPTUM:

"No meio do caminho tinha uma pedra. / Nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida das minhas retinas tão fatigadas."

Axé, Drummond!

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