O dualismo entre corpo e alma, introduzido no cristianismo a partir do século II, quando se distancia de suas raízes judaicas, acabou condicionando toda a ética sexual da Igreja até hoje.
Só no Concílio Vaticano II defendeu-se, por exemplo, que a sexualidade, além de um instrumento de procriação, pode ser um novo modo de comunicação humana.
O Papa Inocêncio III chegou a sustentar que o Espírito Santo se ausentava do quarto quando um casal mantinha relações sexuais, já que, segundo ele, o ato sexual, ainda que lícito, "envergonha Deus".
Diz-se que Francisco é o Papa do 'do corpo', que não teme o contato físico. Em seus quatro meses de pontificado, beijou mais pessoas, crianças e adultos, do que outros Papas em toda sua vida.
Talvez seja essa falta de medo do tato, da corporeidade, que faz Francisco ser amigo de muitos judeus, para os quais o corpo não é inimigo da alma, e sim o grande companheiro das relações verdadeiramente humanas e não só espirituais ou sublimadas.
Se analisarmos os sacramentos da Igreja, em sua origem, são todos sacramentos 'do corpo'. São realidades que se transmitem por meio do corpo, desde a eucaristia até o batismo ou a extrema-unção. A graça sempre atravessa o corpo, que é 'obra de Deus', e não 'instrumento do demônio', como defenderam tantos teólogos conservadores. Falando a uma devota que se gabava de dar sempre esmolas a um mendigo, Francisco perguntou: "Quando entrega a moeda ao irmão mendigo, você a joga ou a coloca nas mãos dele, tocando nelas?"
O Papa que se despojou de todos os símbolos de poder de uma Igreja que se envergonha do corpo e coloca a virgindade acima do matrimônio busca o contato corporal com as pessoas. Ele pediu aos sacerdotes que tirem a poeira da antiga prática cristã de pousar as mãos sobre a cabeça dos fiéis para abençoá-los. Francisco entendeu que, para ter credibilidade e responder aos novos desafios apresentados pela ciência e a ética modernas, a Igreja não pode continuar a se refugiar no medo da corporeidade, nem continuar a defender que o corpo é a fonte do pecado. Ela deve abrir novos caminhos do que ele chama de 'teologia do encontro'.
Quando se refere ao ecumenismo, às diferenças que separam até os que se professam filhos de um mesmo Deus, Francisco dá o exemplo de que nas veias de crentes e não crentes "corre o mesmo sangue" e, por isso, devemos nos sentir parte de uma mesma 'família'. Todo o resto, para ele, é ideologia.
Sua fonte de inspiração, na verdade, é Jesus de Nazaré, que escandalizou os próprios apóstolos pelo pouco medo que tinha do tato, da corporalidade. Ele se deixava lavar os pés por uma prostituta e curava os doentes 'tocando-os' fisicamente. E até usava sua saliva para curar os cegos.
CLEMENTINA DE JESUS
O medo do corpo, da sexualidade, do abraço com o irmão, levou a Igreja a se converter em uma religião 'asséptica', com vocação mais para anjos do que para humanos? Pois bem, a essência do cristianismo não é a 'encarnação' e a 'ressurreição', esta última não só das almas mas também dos corpos? E os corpos estão atravessados pela sexualidade e pelo prazer do encontro. Juntos, corpo e alma se salvam ou se condenam.
CARLINHOS DE JESUS
POST-SCRIPTUM:
Concordo entusiasticamente com a opinião do jornalista e escritor Juan Arias em relação à necessidade urgente da Igreja católica acomodar-se aos tempos atuais e tornar-se mais 'humana' e menos 'celestial', bem como com sua simpatia e otimismo para com o Papa Francisco I. Infelizmente, todos nós sabemos que "uma andorinha só não faz verão". Existe no seio da Igreja uma forte resistência conservadora que dificilmente aceitará aquilo que eles consideram como 'modernismos sacrílegos'. Entretanto, a postura do novo Papa em relação aos gays e a todo tipo de intolerância, por exemplo, alimenta esperanças de uma possível abertura da Igreja para um cristianismo real e não apenas 'de fachada'. Sonhar não custa nada...