O site de denúncias Wikileaks voltou a ser objeto de atenção da imprensa internacional ao publicar mais de 90 mil documentos contendo registros secretos de incidentes e relatórios de militares americanos sobre a guerra no Afeganistão.
Entre os casos mais recentes está o de 45 civis, inclusive várias mulheres e crianças, que teriam morrido ao serem atingidos por um foguete da Otan na província de Helmand, no sul do Afeganistão.
A ocorrência de vítimas civis por causa de ações militares estrangeiras é um dos principais pontos de atrito entre o governo do presidente Hamid Karzai e seus apoiadores ocidentais, e já motivou manifestações nas ruas.
A entidade WikiLeaks divulgou dezenas de milhares de documentos secretos dos EUA mostrando o que ela disse ser "a verdadeira natureza desta guerra" no Afeganistão. Os documentos abrangem o período prévio à posse do presidente Barack Obama, que logo adotou uma nova estratégia que incluía o envio de reforços e medidas para evitar vítimas civis.
Segundo o WikiLeaks, milhares de mortes de civis, individuais ou em duplas, deixaram de ser denunciadas ou contabilizadas. Julian Assange, fundador do grupo, disse que a importância dos documentos divulgados está no acúmulo de pequenos detalhes desconhecidos, e não na revelação de um fato impactante por si só. "A verdadeira história deste material é que a guerra é uma coisa ruim depois da outra. São contínuos pequenos eventos, contínuas mortes de crianças", afirmou ele.
"Nossas atividades devem visar antes de qualquer coisa à defesa da população, não combater a população", disse o chanceler italiano, Franco Frattini, a jornalistas durante uma reunião da União Européia em Bruxelas. "Quando baixas civis ocorrem, há um péssimo quadro oferecido à opinião pública e ao mundo."
Este é o mais recente em uma longa lista de "vazamentos" (leaks, em inglês) divulgados por meio do site, que se especializa em disponibilizar material confidencial de governos e organizações internacionais e diz já ter divulgado mais de um milhão de documentos.
Em abril de 2010, por exemplo, o site publicou um vídeo mostrando um helicóptero Apache americano matando pelo menos 12 pessoas – entre elas, dois jornalistas da agência de notícias Reuters – durante um ataque em Bagdá em 2007.
Outro documento polêmico disponibilizado pelo site foi uma cópia de um guia detalhando o tipo de tratamento dado a prisioneiros do centro de detenções americano na Baía de Guantánamo, em Cuba.
O Wikileaks provocou controvérsias quando apareceu na internet, em dezembro de 2006, e ainda divide opiniões: para uns, é uma ameaça, para outros, representa o futuro do jornalismo investigativo.
Em março deste ano, o diretor do site, o australiano Julian Assange, publicou um documento supostamente emitido pelo serviço de inteligência americano, declarando que o Wikileaks representava uma "ameaça às Forças Armadas dos Estados Unidos". Mais tarde, o governo americano confirmou que o documento era verdadeiro.
Qualquer um pode oferecer material ao site de forma anônima, mas uma equipe de revisores – voluntários da grande imprensa, jornalistas e funcionários do site – decide o que é publicado. "Usamos técnicas avançadas de criptografia e técnicas legais para proteger nossas fontes", disse Assange à imprensa, e completou: "Nos especializamos em permitir a delatores e jornalistas censurados que disponibilizem seu material ao público".
O site diz que aceita "material confidencial, censurado ou restrito que tenha significância política, diplomática ou ética", mas não recebe "rumores, opiniões e outros tipos de reportagens em primeira mão ou material que já está disponível publicamente".
O Wikileaks é administrado por uma organização conhecida como Sunshine Press e diz ser "financiado por campanhas pelos direitos humanos, jornalistas investigativos, tecnólogos e o público em geral". O site diz ter driblado mais de "cem ataques legais" (processos legais com o objetivo de suspender suas operações) desde seu surgimento.
Em 2008, por exemplo, o banqueiro suíço Julius Baer conseguiu que um tribunal bloqueasse o site após a publicação de centenas de documentos sobre as atividades internacionais do seu banco. Entretanto, vários "espelhos" do site – hospedados em diferentes servidores situados em várias partes do mundo – continuaram a operar. A ordem do tribunal acabou sendo revogada.
Segundo o Wikileaks, seu sucesso em batalhas jurídicas se deve ao que o site chama de "hospedagem à prova de balas". Ele é hospedado principalmente pelo provedor sueco PeRiQuito (PRQ), que ficou famoso por hospedar o site ilegal de trocas de arquivos de música The Pirate Bay. "(O Wikileaks) é legal na Suécia, nós vamos hospedá-lo e mantê-lo funcionando quaisquer que sejam as pressões", diz o provedor. O site também é hospedado em outros países, incluindo a Bélgica.
"Para proteger a segurança de nossas fontes, tivemos de espalhar nossos ativos, criptografar tudo e transferir telecomunicações e pessoal para outras partes do mundo para ativar leis de proteção em diferentes jurisdições nacionais. Ficamos bons nisso e nunca perdemos um caso, ou fonte, mas não podemos esperar que todos façam o esforço extraordinário que fazemos", declarou o diretor do Wikileaks.
Apesar de sua fama mundial, o site enfrentou problemas financeiros. Em fevereiro, suspendeu suas operações por não poder arcar com os custos de suas operações. Segundo Assange, doações de indivíduos e organizações salvaram o site que vem crescendo exponencialmente, a ponto de não poder dar vazão a todo o material que recebe. Como resultado, o site está se reestruturando para estabelecer vários núcleos independentes pelo mundo e agir como um intermediário entre fontes e jornais, explicou. "Nós cuidamos da fonte e agimos como um intermediário neutro e também cuidamos da publicação do material enquanto o jornalista com quem nos comunicamos faz a verificação".
[BBC Brasil]
POST-SCRIPTUM:
Vida longa ao Wikileaks e a qualquer outra iniciativa semelhante em qualquer parte do mundo.
Não nutro qualquer simpatia por aiatolás ou talibãs, mas não há como negar que há também um “perigo real e imediato” constituído a partir da atuação em todo o globo das multinacionais que compõe as indústrias bélica, petrolífera e farmacêutica do chamado Primeiro Mundo.
Também não questiono a capacidade e a boa-vontade do presidente Barack Obama (pelo menos em princípio), mas não me deixo seduzir pela ilusão de um “salvador da pátria”, venha ele de onde vier.
As forças e interesses em jogo não devem ser subestimados, sob o risco de simplificarmos em demasia o problema e perdermos de vista seu alcance e sua verdadeira origem. Entretanto, iniciativas individuais e localizadas também não devem ser menosprezadas, pois apontam para as brechas no sistema e indicam a possibilidade de correções de percurso.
Como já disse o filósofo Richard Rorty, “se cuidarmos da liberdade, a verdade cuidará de si mesma”.
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