terça-feira, 20 de janeiro de 2015

JE SUIS CHARLIE

[Editado de um artigo de autoria de ARNALDO BLOCH, publicado no jornal O GLOBO em 17.01.2015]


Saiu uma tirinha de humor no Facebook (não descobri autoria nem fonte) em que um sujeito pergunta: "Quem somos?". Um grupo responde: "Somos todos Charlie." O sujeito retruca: "Mas o que queremos?". O grupo: "A verdade, a justiça, a liberdade de imprensa e a paz mundial". O sujeito: " "Como vamos conseguir?". No último quadrinho só um texto: "Com a ajuda do Obama,da CIA, do Pentágono, do FBI, do serviço secreto israelense, dos maiores fabricantes de armas do mundo, da mídia ocidental, dos países que colonizaram a África, dos sheiks árabes, da extrema-direita francesa, da Grã-Bretanha".

Estamos ferrados? Bem possível que sim, pois ainda não se provou que a espécie humana, com Deus ou sem Deus, é viável. Porém, por má-fé ou ingenuidade, cria-se a ideia de que os agentes da salvaguarda são um Ocidente malvado, onde toda a mídia é inimiga. Tesouram-se os pacifistas, a ONU, os diplomata que dão o sangue para impedir guerras piores, as conversas multilaterais, os moderados, as campanhas que, nas redes sociais, sobrevivem à estupidez, e a esquerda francesa que chocada com a própria submissão ao lobby extremista, liderou a marcha na Republique.



Óbvio que, na configuração da geopolítica atual, é impossível que a CIA, a Alemanha, o Mossad, os líderes árabes, os sheiks, as ex-colônias na África do Norte e tantas outras esferas não estejam na luta contra o avanço que ameaça o pouco que se conseguiu de coesão entre as nações do mundo. Um mundo que busca um status em que suas terríveis contradições,  suas injustiças, sua loucura corporativa, seu cassino financeiro (que esmaga toda força produtiva) se inspiram em certa ideia de democracia.

Contudo, é terrorismo ideológico dizer que esta é apenas uma guerra entre o perverso Ocidente e a malvada cultura islâmica. Os "malvados" estão dos dois lados, ou de todos os lados que formam o poliedro da grande confusão. Lados que formam alianças tácitas, às vezes inconscientes, com seus inimigos.


O judeu que matou Rabin não integrava qualquer grupo organizado. Era como o louco que matou Lennon. O que se combate, hoje, é, sim, o terrorismo islâmico, como se combateria qualquer terrorismo pancontinental, que reunisse método, massa e distribuição global de células explosivas. De resto Islã é paz, e o diálogo é o antídoto da guerra. Um diálogo paralelo e a longo prazo. Pois, agora, o que temos, que pena, é a batalha.



POST-SCRIPTUM:

Tudo está perdoado. Ou não?