A possível descoberta da partícula Bóson de Higgs mal aconteceu e já causou um efeito de bomba atômica na imprensa mundial.
O experimento foi realizado pelo CERN, sigla em francês da Organização Européia para a Pesquisa Nuclear, centro de estudos entre a França e a Suíça. O local é o maior e um dos mais importantes complexos científicos do mundo, com o maior túnel de acelerador de partículas do planeta. O experimento simula, em mínima escala, o 'Big Bang' e proporciona estudos sob diversos aspectos.
Entre estas pesquisas e experiências, foi encontrada uma partícula que se assemelha muito com o Bóson de Higgs, cuja propriedade é muito simples: dar massa às coisas. Teoricamente, a matéria só difere da luz devido a atuação desta partícula.
O físico brasileiro Alberto Santoro trabalha no CERN e concedeu esta entrevista, onde falou sobre a partícula (imaginada pelo britânico Peter Higgs, em 1964), que é uma das maiores descobertas da História.
P: O que é o Bóson de Higgs?
R: "É a última partícula que faltava para completar o Modelo Padrão. É a partícula que teria dado massa a todas as partículas elementares."
P: O que a possível descoberta muda ou ajuda na Física atual?
R: "O nosso conhecimento sobre a natureza e as interações fundamentais aumentam na medida em que, se confirmada a observação, compreenderemos a origem da massa das partículas elementares."
P: Como funcionam os túneis do CERN e o que foi feito para ser achada a partícula?
R: "O Túnel do 'LHC - Large Hadron Collider' tem quatro grandes detectores. Dois deles, o 'ATLAS' e o 'CMS', observaram um objeto. Suas propriedades continuarão sendo estudadas para que possamos afirmar que se trata do Bóson de Higgs."
P: Para a sociedade, o que pode significar esta possível descoberta? Existem mudanças práticas a curto, médio e longo prazo?
R: "Não há nada a esperar além do aumento do conhecimento científico. É claro que a sociedade é feita de pessoas mais ou menos curiosas. Mais ou menos cultas. Umas aproveitam mais que outras..."
P: Qual o sentido deste estudo na História? O que significará no futuro?
R: "Há milênios o Homem procura responder uma série de questões sobre a origem das coisas. Estamos começando a desvendar alguns desses mistérios e a responder diversas destas questões fundamentais. O que é massa? Como ela surge? É muito excitante saber que podemos estar começando a compreender tudo isto. Mas ainda precisamos de muito mais experiências científicas para chegarmos a uma compreensão satisfatória do Universo; há muitos outras questões tão importantes quanto estas."
P: Quais são os próximos passos agora?
R: "Acumular mais dados, analisá-los e confirmar as observações já realizadas até o presente. Diminuir cada vez mais a possibilidade de um erro."
P: Está sendo muito divulgado o nome "Partícula de Deus", devido ao livro do físico Leon Lederman, vencedor do Nobel. Você concorda com o nome?
R: "Não concordo, pois confunde ciência com religião. Existe alguma semelhança entre o que a religião diz sobre Deus e as propriedades da partícula? Não tem nada uma coisa com a outra. Religião é uma coisa e ciência é outra."
P: Ambos são contraditórios?
R: "Não há contradição nenhuma. Um pintor sempre pode dizer que se inspirou na mensagem de Deus ou dizer que sua criatividade foi exercida plenamente ao pintar o quadro que apresenta. Tudo pode ser dito dessa ou daquela forma. Ciência e religião são duas coisas distintas. Um religioso pode fazer ciência sem problemas. E há muitos cientistas que são religiosos. Mas ninguém confunde as coisas. Nós, na ciência, temos que provar tudo o que fazemos e não podemos dizer que é uma questão de fé. Temos de medir, mostrar o resultado, seja ele qual for."
P: O CERN já realizou vários feitos práticos para a humanidade: a criação do www, a tecnologia 'touchscreen' e aparelhos relacionados à saúde. Que outros feitos podem ser citados, entre os que a população vê e os que não vê?
R: "A população vê, mas não é informada. Os aceleradores de partículas servem para a indústria e sobretudo para a terapia do câncer. Não sabe porque não é informada que, quando faz uma ressonância magnética ou uma radiografia, está usando aparelhos que foram originalmente inventados a partir dos detectores de partículas. Não sabe que a WEB também foi inventada no CERN, que revolucionou a relação comercial, social, econômica, de todos os tipos, e isso tudo a uma velocidade incrível."
P: Como você enxerga o preconceito que existe em algumas camadas da sociedade em relação aos gastos em grande escala da ciência?
R: "Hoje temos eletricidade e sem ela não sobrevivemos mais. Toda essa tecnologia não acontece do nada, e sim, a partir de invenções que no início são somente para entender a natureza e depois se transformam em revoluções no nosso cotidiano."
P: Qual o poder dos túneis do CERN? Os impactos das partículas a velocidades absurdas têm alguma potência? Qual é a velocidade e qual é a segurança desses equipamentos do CERN?
R: "A velocidade dos prótons é praticamente a velocidade da luz. Está funcionando há alguns anos e nada aconteceu, aqueles absurdos que espalharam pelo mundo sobre o LHC do CERN. Os raios cósmicos tem muito mais energia e nos bombardeiam diariamente vindos do espaço. Até hoje não aconteceu nenhuma catástrofe pregada, tipo buracos negros."
POST-SCRIPTUM:
Alberto Santoro estudou na Universidade de Brasília, de onde foi obrigado a sair com o irmão, Claudio (que era músico e chefiava o Departamento de Música), devido às perseguições da ditadura militar. Formou-se na UFRJ e começou seu mestrado com o prof. J. Leite Lopes, quando ambos foram caçados e obrigados a ir para o exterior, onde continuou seus estudos. Fez doutorado na França, na Universidade Paris 7 e trabalhou no Departamento de Física Teórica do Centro de Energia Atômica da França. Voltou em 1977 ao Brasil para o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e depois a UERJ, onde está até hoje coordenando um grupo de pesquisas que trabalha no experimento CMS do LHC/CERN.
[ADAPTADO DE UMA MATÉRIA PUBLICADA NA REVISTA 'PERSONI' Nº 10/AGOSTO/2012]