"Há estranheza quântica demais por aí..." - Fred Alan Wolf, Ph.D.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
RELIGIÃO, SUPERSTIÇÃO E PRECONCEITO
Tanto a religião quanto a superstição contradizem a lógica formal.
Mas a lógica formal não explica necessariamente a totalidade das experiências existenciais. Existem outras formas de lógica que não a formal que podem ser úteis na compreensão de certos fenômenos.
Acredito que muitos tenham, no mínimo, ouvido falar ou lido a respeito das possibilidades ontológicas do pensamento matemático, notadamente no campo da teoria dos conjuntos, por exemplo.
Ou sobre as reflexões (ainda que em contextos diversos) a respeito do "mistério", explícitas ou implícitas, feitas por pensadores como Spinoza, Leibniz, Hegel, Heidegger, Nietzsche, Cantor, Jung, Krishnamurti, Mircea Eliade, David Bohm, Alan Badiou e muitos outros.
Ou ainda a respeito da filosofia existencial imanente aos ensinamentos de diversas religiões consideradas "exóticas", como o budismo, o taoísmo e o induísmo.
Segundo algumas linhas de pensamento das tradições filosófica e teológica ocidentais, ou bem Deus está fora do mundo "real, existente" e não interfere em absoluto com o mesmo (e, portanto, é inútil) ou é onisciente e onipotente e interfere sempre, ou, pelo menos, a seu bel-prazer (sendo, portanto, tirânico ou, no mínimo, fútil). Parece impossível conciliar os dois sentidos. Ou não? Será possível imaginar tal quimera, desde que a despojemos de certas idiossincrasias e antinomias?
É por esta razão (o conflito resultante entre as várias concepções de "Deus") que o monoteísmo absoluto nunca existiu, a não ser de uma forma disfarçada. Parte do Antigo Testamento, por exemplo, especialmente o Gênesis, é uma "colcha de retalhos" costurada com versões de textos caldeus mais antigos, entre outras possíveis fontes.
Para uma visão lógica, coerente e consistente do conceito de "Deus" há que se conciliarem lógicas, coerências e consistências diversas, definindo âmbitos diversos de significação e atuação.
Resumindo: mesmo que haja um "Deus" único (entendido como fundamento ontológico originário, seja imanente ou transcendente), este desdobra-se e subdivide-se necessariamente em "deuses" diversos: por exemplo, a hierarquia gerativa dos conceitos, entre outras possibilidades.
O mesmo raciocínio pode ser transportado para a questão da "natureza" da personalidade humana. Somos um, muitos ou (paradoxalmente) ambos?
Tanto a "personalidade" de Deus quanto a personalidade do homem só se definem por uma coerência que escapa à lógica formal (ou seja, pela constatação de que ser paradoxal não é o mesmo que ser contraditório).
Não obstante, conforme já foi observado, existe efetivamente muita contradição (e superstição) no pensamento religioso tradicional.
A homofobia, por exemplo, faz parte dos supostos ensinamentos de Jesus? Penso que não. Entretanto - e lamentavelmente de uma forma agressiva e virulenta - a condenação ao homossexualismo é explícita no Antigo Testamento. Como conciliar o "amar ao próximo como a ti mesmo" com um preceito bíblico que pode chegar aos limites da intolerância radical?
Alguns diriam que "Deus ama o pecador, mas não o pecado". Mas fazer milhares de pessoas se sentirem miseráveis por conta de sua orientação sexual é uma forma válida de demonstração de amor?
O próprio conceito de religião, tanto em sua etimologia ("re-ligação" com uma suposta "autoridade" exterior) quanto em sua história, remete a uma relação de dominação-submissão. É neste sentido que defendo um entendimento diferente do "fenômeno religioso", calcado numa abordagem imanente e transpessoal.
Como bem colocou o ex-pastor protestante e homossexual assumido Sérgio Viula numa entrevista, "o homem pode viver sem religião. Viver sem religião não é ser a-ético ou anti-ético. Ética é a arte de viver bem, com o maior índice de felicidade possível, interferindo o menos possível na felicidade alheia."
E eu acrescentaria, por minha própria conta, que ser imbuído de uma intuição do sagrado não implica necessariamente em seguir cegamente esta ou aquela concepção do que seja religião.
Faz-se mister que a justa importância concedida à liberdade de culto para os praticantes e seguidores de qualquer religião seja estendida à liberdade de expressão daqueles que se pretendem ateus ou de alguma forma duvidantes, e que sua posição seja considerada com o mesmo respeito.
Já houve perseguições e massacres suficientes ao longo da História entre adeptos de diferentes credos, bem como contra aqueles que optaram por manter uma atitude agnóstica ou de descrença em relação à fé religiosa. Chega de mártires e guerras santas. Respeitemo-nos uns aos outros na diversidade.
Entretanto, não se pode fechar os olhos, os ouvidos e a boca - como aqueles três macaquinhos - quando a barbárie se manifesta, a partir de concepções religiosas, em atitudes violentas e humilhantes para com as mulheres, os homossexuais, as crianças e todo aquele que não se encaixe no modelo de "normalidade" preconizado por grupos ou governos (religiosos ou seculares), seja no Irã, na China, em Israel, na Coréia do Norte, em Cuba, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo.
Religião e política são como água e óleo. Não foram feitas para se misturar, assim como intolerância não combina com democracia. E nunca é demais lembrar que a minha liberdade termina onde a do outro começa, e vice-versa.
Que fique bem entendido: este texto não é um panfleto contra ou a favor da religião (ou do homossexualismo, por sinal). É pura e simplesmente uma declaração de independência intelectual e de repúdio direcionado a todo e qualquer tipo de opressão e preconceito, sejam religiosos, sexuais ou de qualquer outro tipo.
Assinar:
Postagens (Atom)