sexta-feira, 23 de maio de 2014

UM EQUILÍBRIO PRECÁRIO ENTRE O BEM E O MAL


[Texto de Moisés Efraym]


Há muitas implicações decorrentes de uma sentença do tipo "um equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal". 

Estas implicações devem, em todo caso, passar por uma investigação acerca das noções de "equilíbrio precário" e "bem" e "mal". É sobre estas noções que se desenrola, de forma geral, o desenvolvimento da abordagem mítica da realidade, como característica inerentemente humana, de elucidação fenomenológica, nas comunidades originárias.

Uma primeira interpretação da expressão "equilíbrio precário" revela uma relação paradoxal, remetendo-nos a palavra "equilíbrio" à ideia de igualdade e a palavra "precário" à ideia de instabilidade; somos, portanto, levados a uma conclusão que deverá fundir, em forma de compreensão, uma dicotomia que manifeste uma unidade inteligível. De que forma é possível esta unidade?

Não por acaso, a sentença "um equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal" está intimamente ligada às mais variadas formas assumidas pelo mito em lugares e épocas diferentes. 


Independentemente das possíveis explicações sobre a origem dos mitos, o paradoxo da relação acima citada perpassa a todos sob a forma de um "paradigma imanente". 

Qualquer tentativa de conciliação da dicotomia aludida seria inútil, pois ela só existe se a realidade - como no mito - se torna objeto de investigação pelo homem. Nesse processo de investigação o homem carece de promover uma "ruptura" na maneira de ser da realidade que lhe permita nomear, isoladamente, o complexo fenomênico que o circunda.

A inocência inerente à composição mito-poética desenvolve o caráter simbólico da maneira de ser do real, sem habilitar-se, entretanto, à compreensão da unidade manifesta no "paradigma imanente" que a fundamenta.

Por estar incondicionalmente sujeita a essa limitação, a explicação mítica tende à multiplicidade, antropomorfizada na forma de deuses, semideuses e heróis, e à dicotomia que tem por base o ser humano e suas convicções e sentimentos e também a oposição aparente das diferentes manifestações da natureza tidas como acontecimentos externos ao homem e que se manifestam conforme seu caráter agradável ou desagradável, segundo o julgamento e sensações individuais (o "quente" em oposição ao "frio" ou, tendo como referencial o homem, o "bem" em oposição ao "mal"). 

    

O "paradigma imanente" (que manifesta a unidade do real) e a dicotomia estabelecida pelo mito podem ser verificados na relação entre as mitologias nórdica e grega, por exemplo. 

Atendo-se não à explicação fenomênica do mito mas aos "lugares míticos" pode-se estabelecer a relação que perpassa as diferentes mitologias e está diretamente atada à noção de confronto entre "bem" e "mal".

Asgard e Olimpo representam, respectivamente, nas mitologias nórdica e grega, a "morada dos deuses"; nestes "lugares" residem os soberanos na hierarquia divina. Nifleheim e Tártaro estão em oposição direta àqueles primeiros. Há similitudes e distinções entre as duas manifestações de mitologia que carecem de esclarecimento. Entretanto, não rompem de forma absoluta com a dicotomitização do real que, certamente, compõem a base destas.

Por não dispor de nenhuma fonte prévia de explicação para os fenômenos naturais, a mitologia, fazendo uso dos aspectos inerentes às relações humanas e à personalização em seu caráter individual, interpretou a realidade circundante como resultante de um conflito divino que ensejaria, então, o movimento fenomênico observado.   

  

Tanto nos Eddas nórdicos quanto na Teogonia grega a harmonia reinante no mundo divino é rompida por dissenções havidas entre seus representantes. Esta ruptura cria uma tensão, uma "relação de oposição" entre seres divinos, que possibilita a realidade em sua dinâmica conhecida.

Gaia, a "Mãe Terra", para os gregos e Midgard para os nórdicos, representam o ponto de equilíbrio dessa tensão. Aí se observa, de forma alternada, a atuação das forças do bem e do mal. Na instância "superior" (Olimpo, Asgard) estão os representantes máximos das forças do bem (Zeus, Odin), na "inferior", os representantes máximos das forças do mal (Hades, Surtur).


Hades recebeu de presente de Zeus o reino subterrâneo por apoiar este na luta contra a tirania do próprio pai (Cronos). Quanto a oposição entre Odin e Surtur, esta estava predestinada desde o início dos tempos.

Ainda sobre as mitologias nórdica e grega, existem, respectivamente, o Valhalla e os Campos Elísios, onde hão de fazer morada, após a morte "neste mundo", as almas merecedoras.

O "paradigma imanente" ou unidade do real observa-se na ligação necessária entre essas instâncias. Sem essa ligação a explicação a respeito da realidade, mesmo na multiplicidade estabelecida pelo mito, perde o sentido.


POST-SCRIPTUM:


A forma de ser das coisas na realidade é tão enigmática que, apesar de todo avanço científico-tecnológico e de todo desenvolvimento do pensamento filosófico, a maioria da população ocidental continua encarando o caráter fenomênico da realidade como um "equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal", haja visto sua continuidade na base, por exemplo, das três religiões monoteístas atuais (judaica, cristã e maometana).




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