quarta-feira, 19 de novembro de 2014

ESTRANHEZA QUÂNTICA: O ABISMO E A PONTE


[Editado do cap. I do livro "O UNIVERSO AUTOCONSCIENTE" da autoria de AMIT GOSWAMI, publicado pela EDITORA ROSA DOS TEMPOS]


Enfrentamos hoje na física um grande dilema. Na física quântica - a nova física - descobrimos um marco teórico que funciona. Explica um sem-número de experimentos de laboratório, e muito mais.

A física quântica deu origem a tecnologias de imensa utilidade, tais como as de transistores, lasers e supercondutores. Ainda assim, não conseguimos extrair sentido da matemática da física quântica sem sugerir uma interpretação dos resultados experimentais que numerosos indivíduos só podem considerar como paradoxal, ou mesmo inaceitável.

Vejamos, como exemplo, as propriedades quânticas seguintes: 

a) Um objeto quântico (como, por exemplo, um elétron) pode estar no mesmo instante, em mais de um lugar (a propriedade da onda);

b) Não podemos dizer que um objeto quântico se manifeste na realidade comum espaço-tempo até que o observemos como uma partícula (o colapso da onda);

c) Um objeto quântico deixa de existir aqui e simultaneamente passa a existir ali, e não podemos dizer que ele passou através do espaço interveniente (o salto quântico);

d) A manifestação de um objeto quântico, ocasionada por nossa observação, influencia simultaneamente seu objeto gêmeo correlato - pouco importando a distância que os separa (ação quântica à distância).



Não podemos ligar a física quântica a dados experimentais sem utilizar alguns esquemas de representação, e a interpretação depende da filosofia com que encaramos os dados. A filosofia que há séculos domina a ciência ( o materialismo físico) supõe que só a matéria - que consiste de átomos ou, em última análise, de partículas elementares - é real. Tudo mais são fenômenos secundários da matéria, apenas uma dança dos átomos constituintes. Essa visão do mundo é também denominada de realismo porque se presume que os objetos sejam reais e independentes dos sujeitos, nós, ou da maneira como os observamos.


A ideia, contudo, de que todas as coisas são constituídas de átomos é uma suposição não provada. Não se baseia em prova direta no tocante a todas as coisas. Quando a nova física nos desafia com uma situação que parece paradoxal, quando vista da perspectiva do realismo materialista, tendemos a ignorar a possibilidade de que os paradoxos possam estar surgindo por causa da falsidade de nossa suposição não comprovada. (Tendemos a esquecer que uma suposição mantida por longo tempo não se transforma, por isso, em verdade, e, não raro, não gostamos que nos lembrem disso.)

 

Atualmente, numerosos físicos desconfiam que há alguma coisa de errado no realismo materialista, mas têm medo de sacudir o barco que lhes serviu tão bem, por tanto tempo. Não se dão conta de que o bote está à deriva e precisa de novo rumo, sob uma nova visão do mundo.

Há, por acaso, uma alternativa ao realismo materialista? Essa tese esforça-se, sem sucesso, a despeito de seus modelos de computador, para explicar a existência da mente, em especial o fenômeno de uma autoconsciência causalmente potente.

"O que é consciência?"

O realismo materialista tenta ignorar a pergunta com um encolher de ombros e com a resposta arrogante de que ela nenhuma importância tem. Se, contudo, estudamos, por menor que seja a seriedade, todas as teorias que a mente consciente constrói (incluindo as que a negam), então a consciência tem, de fato, importância.


POST-SCRIPTUM:

Eu escutei
E olhei
Com olhos bem abertos.
Verti minha alma
No mundo
Procurando o desconhecido 
No conhecido.
E canto em altos brados
O meu assombro!

- Rabindranath Tagore