terça-feira, 31 de agosto de 2010

WIKILEAKS




O site de denúncias Wikileaks voltou a ser objeto de atenção da imprensa internacional ao publicar mais de 90 mil documentos contendo registros secretos de incidentes e relatórios de militares americanos sobre a guerra no Afeganistão.

Entre os casos mais recentes está o de 45 civis, inclusive várias mulheres e crianças, que teriam morrido ao serem atingidos por um foguete da Otan na província de Helmand, no sul do Afeganistão.

A ocorrência de vítimas civis por causa de ações militares estrangeiras é um dos principais pontos de atrito entre o governo do presidente Hamid Karzai e seus apoiadores ocidentais, e já motivou manifestações nas ruas.

A entidade WikiLeaks divulgou dezenas de milhares de documentos secretos dos EUA mostrando o que ela disse ser "a verdadeira natureza desta guerra" no Afeganistão. Os documentos abrangem o período prévio à posse do presidente Barack Obama, que logo adotou uma nova estratégia que incluía o envio de reforços e medidas para evitar vítimas civis.

Segundo o WikiLeaks, milhares de mortes de civis, individuais ou em duplas, deixaram de ser denunciadas ou contabilizadas. Julian Assange, fundador do grupo, disse que a importância dos documentos divulgados está no acúmulo de pequenos detalhes desconhecidos, e não na revelação de um fato impactante por si só. "A verdadeira história deste material é que a guerra é uma coisa ruim depois da outra. São contínuos pequenos eventos, contínuas mortes de crianças", afirmou ele.

"Nossas atividades devem visar antes de qualquer coisa à defesa da população, não combater a população", disse o chanceler italiano, Franco Frattini, a jornalistas durante uma reunião da União Européia em Bruxelas. "Quando baixas civis ocorrem, há um péssimo quadro oferecido à opinião pública e ao mundo."

Este é o mais recente em uma longa lista de "vazamentos" (leaks, em inglês) divulgados por meio do site, que se especializa em disponibilizar material confidencial de governos e organizações internacionais e diz já ter divulgado mais de um milhão de documentos.

Em abril de 2010, por exemplo, o site publicou um vídeo mostrando um helicóptero Apache americano matando pelo menos 12 pessoas – entre elas, dois jornalistas da agência de notícias Reuters – durante um ataque em Bagdá em 2007.

Outro documento polêmico disponibilizado pelo site foi uma cópia de um guia detalhando o tipo de tratamento dado a prisioneiros do centro de detenções americano na Baía de Guantánamo, em Cuba.

O Wikileaks provocou controvérsias quando apareceu na internet, em dezembro de 2006, e ainda divide opiniões: para uns, é uma ameaça, para outros, representa o futuro do jornalismo investigativo.

Em março deste ano, o diretor do site, o australiano Julian Assange, publicou um documento supostamente emitido pelo serviço de inteligência americano, declarando que o Wikileaks representava uma "ameaça às Forças Armadas dos Estados Unidos". Mais tarde, o governo americano confirmou que o documento era verdadeiro.

Qualquer um pode oferecer material ao site de forma anônima, mas uma equipe de revisores – voluntários da grande imprensa, jornalistas e funcionários do site – decide o que é publicado. "Usamos técnicas avançadas de criptografia e técnicas legais para proteger nossas fontes", disse Assange à imprensa, e completou: "Nos especializamos em permitir a delatores e jornalistas censurados que disponibilizem seu material ao público".

O site diz que aceita "material confidencial, censurado ou restrito que tenha significância política, diplomática ou ética", mas não recebe "rumores, opiniões e outros tipos de reportagens em primeira mão ou material que já está disponível publicamente".

O Wikileaks é administrado por uma organização conhecida como Sunshine Press e diz ser "financiado por campanhas pelos direitos humanos, jornalistas investigativos, tecnólogos e o público em geral". O site diz ter driblado mais de "cem ataques legais" (processos legais com o objetivo de suspender suas operações) desde seu surgimento.

Em 2008, por exemplo, o banqueiro suíço Julius Baer conseguiu que um tribunal bloqueasse o site após a publicação de centenas de documentos sobre as atividades internacionais do seu banco. Entretanto, vários "espelhos" do site – hospedados em diferentes servidores situados em várias partes do mundo – continuaram a operar. A ordem do tribunal acabou sendo revogada.

Segundo o Wikileaks, seu sucesso em batalhas jurídicas se deve ao que o site chama de "hospedagem à prova de balas". Ele é hospedado principalmente pelo provedor sueco PeRiQuito (PRQ), que ficou famoso por hospedar o site ilegal de trocas de arquivos de música The Pirate Bay. "(O Wikileaks) é legal na Suécia, nós vamos hospedá-lo e mantê-lo funcionando quaisquer que sejam as pressões", diz o provedor. O site também é hospedado em outros países, incluindo a Bélgica.

"Para proteger a segurança de nossas fontes, tivemos de espalhar nossos ativos, criptografar tudo e transferir telecomunicações e pessoal para outras partes do mundo para ativar leis de proteção em diferentes jurisdições nacionais. Ficamos bons nisso e nunca perdemos um caso, ou fonte, mas não podemos esperar que todos façam o esforço extraordinário que fazemos", declarou o diretor do Wikileaks.

Apesar de sua fama mundial, o site enfrentou problemas financeiros. Em fevereiro, suspendeu suas operações por não poder arcar com os custos de suas operações. Segundo Assange, doações de indivíduos e organizações salvaram o site que vem crescendo exponencialmente, a ponto de não poder dar vazão a todo o material que recebe. Como resultado, o site está se reestruturando para estabelecer vários núcleos independentes pelo mundo e agir como um intermediário entre fontes e jornais, explicou. "Nós cuidamos da fonte e agimos como um intermediário neutro e também cuidamos da publicação do material enquanto o jornalista com quem nos comunicamos faz a verificação".

[BBC Brasil]







POST-SCRIPTUM:




Vida longa ao Wikileaks e a qualquer outra iniciativa semelhante em qualquer parte do mundo. 


Não nutro qualquer simpatia por aiatolás ou talibãs, mas não há como negar que há também um “perigo real e imediato” constituído a partir da atuação em todo o globo das multinacionais que compõe as indústrias bélica, petrolífera e farmacêutica do chamado Primeiro Mundo. 

Também não questiono a capacidade e a boa-vontade do presidente Barack Obama (pelo menos em princípio), mas não me deixo seduzir pela ilusão de um “salvador da pátria”, venha ele de onde vier. 

As forças e interesses em jogo não devem ser subestimados, sob o risco de simplificarmos em demasia o problema e perdermos de vista seu alcance e sua verdadeira origem. Entretanto, iniciativas individuais e localizadas também não devem ser menosprezadas, pois apontam para as brechas no sistema e indicam a possibilidade de correções de percurso.

Como já disse o filósofo Richard Rorty, “se cuidarmos da liberdade, a verdade cuidará de si mesma”.


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

SETE LOCAIS PARA VISITAR ANTES DE MORRER





Ainda que seja impossível resumir em uma lista as maravilhas que o mundo possui, fizemos uma seleção de alguns lugares para onde toda pessoa deveria viajar, pelo menos uma vez na vida.

(Claro, se você tiver grana suficiente para tal...)



O TAJ MAHAL



























Este imenso complexo foi levantado pelo imperador Shah Jahan em memória de sua esposa favorita, Arjumand Bano, mais conhecida como Mumtaz Mahal, que morreu ao dar a luz ao seu 14º filho.
Em um misto de arquitetura mongol e elementos islâmicos, persas, turcos e indianos, a construção é Patrimônio da Humanidade e faz parte da lista das novas Sete Maravilhas do Mundo.



A ACRÓPOLE






























A atual Acrópole está muito longe do que foi no passado, mas vale lembrar que a construção foi símbolo do nascimento da democracia grega. O principal elemento do complexo arqueológico é o Parthenon, dedicado à deusa Athena.


NAZCA






























Se você não tem medo de altura ou de aviões, não pode deixar de visitar Nazca, no Peru, lugar famoso por abrigar as enormes figuras gravadas no solo e que são até hoje um grande mistério arqueológico de nossa história. Ninguém sabe como, quando e porque essas imagens foram feitas.



A GRANDE MURALHA DA CHINA






























Construída para defender o império chinês de invasões, a muralha tem hoje cerca de 9 mil quilômetros de extensão. No passado, a gigantesca estrutura alcançava os incríveis 20 mil quilômetros. Assim como o Taj Mahal, a muralha também faz parte das Sete Maravilhas do Mundo.



MACHU PICCHU






























Obra impressionante de arquitetura e engenharia, a área é Patrimônio da Humanidade desde 1983. O santuário histórico oficial de Machu Picchu é alcançado através do Caminho Inca, composto por um conjunto de edificações que foi levantado no século XV. Não se sabe, no entanto, se o local foi um centro de defesa, um templo cerimonial ou uma cidade.



A ESFINGE E AS PIRÂMIDES DO EGITO






























Destino clássico para aventureiros e amantes da história antiga, o Egito e sua esfinge, suas pirâmides, seus monumentos reais, suas histórias e seus mistérios banhados pelo rio Nilo, é ponto obrigatório de visita. Destaque para as pirâmides de Gizé, o único conjunto de maravilhas do mundo antigo que ainda está de pé.



CENTRO ESPACIAL KENNEDY






























A chegada do homem à Lua, o robô explorador de Marte e o telescópio espacial Hubble: todos surgiram a partir do centro de operações da NASA na Flórida, mais especificamente no Cabo Canaveral, denominado Centro Espacial Kennedy. Melhor que isso só uma visita à própria Lua (o que, com certeza, não será nenhum absurdo num futuro não muito distante).


[Adaptado de um artigo publicado no portal MSN]




POST-SCRIPTUM:



E por minha conta:



RIO DE JANEIRO






























Obviamente, uma visita ao Rio de Janeiro não pode faltar nesta lista, que de sete vira oito, mas pra eu que já estou aqui não conta, né? (Só é preciso tomar cuidado com as balas perdidas...)

Aliás, no meu entender, não poderiam faltar também visitas a outros locais deveras interessantes, como o rio Amazonas, as pirâmides maias e aztecas na América Central e no México, Nova York, Hollywood, o Kremlin em Moscou, Paris, o Coliseu de Roma, o Vaticano, Tóquio, as savanas africanas, Jerusalém, Casablanca, o Outback australiano, os vulcões da Islândia, o Caribe, etc, etc, etc.

Mas aí, só ganhando sozinho na Mega Sena. Ou sendo deputado ou senador. Ou, pelo menos, parente de um...


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

SEMANA DE QUADRINHOS DA UFRJ






















Entre os dias 27 de setembro e 01 de outubro de 2010 deverá acontecer a quarta temporada da Semana de Quadrinhos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), um evento que reúne estudiosos e especialistas para debater os caminhos da nona arte. As apresentações se darão em locais diversos e o evento é uma realização conjunta da Escola de Belas-Artes e da Escola de Comunicação da UFRJ e do SESC do Rio de Janeiro. A coordenação é do professor Octávio Aragão. Vale a pena conferir.





POST-SCRIPTUM:



PROGRAMAÇÃO:


27/09
ESCOLA DE BELAS-ARTES UFRJ
13hs - Abertura Oficial
14hs - Debate: Ex-alunos da EBA no mercado de trabalho
(Debatedores: Clara Gomes, André Dahmer e Bruno Drummond)


28/09
SESC MADUREIRA
15hs - Oficina de Roteiro com o grupo QUADRINIZE
18hs - Debate: WEB COMICS - Quadrinhos em outro formato
(Debatedores: Ana Recalde e Tiago Lacerda)


29/09
SESC MADUREIRA
15hs - Oficina de Fanzine com Renato Lima
18hs - Debate: Quadrinhos em sala de aula
(Debatedores: Alzira Valeria, André Brown e Carlos Hollanda)


30/09
SESC MADUREIRA
15hs - Oficina de Humor Gráfico com André Brown
18hs - Debate: O mercado de ilustração ontem e hoje
(Debatedores: Luis Trimano e Zé Roberto Graúna)


01/10
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO UFRJ
14hs - Debate: 100 Anos sem Angelo Agostini
(Debatedores: Luciano Magno, Pedro de Luna e Carlos Patati)


domingo, 22 de agosto de 2010

A QUESTÃO PITAGÓRICA




[Capítulo I do livro “PITÁGORAS E OS PITAGÓRICOS – UMA BREVE HISTÓRIA” (Ed. Loyola, S. Paulo, 2007 – ISBN: 978-85-15-03301-0), da autoria de Charles H. Kahn, professor de filosofia na University of Pennsylvania, especialista em Filosofia Antiga e História da Teoria Política]



Pitágoras não é apenas o nome mais famoso na história da filosofia antes de Sócrates e Platão; ele é também uma das figuras mais fascinantes e misteriosas da Antiguidade.

Pitágoras foi celebrado nas tradições antigas como matemático e filósofo da matemática, e seu nome continua associado a um importante teorema da geometria plana. Aristóteles afirma que a própria filosofia de Platão foi profundamente influenciada pelo ensinamento pitagórico(1), e autores posteriores consideraram Pitágoras o criador da tradição platônica na filosofia. Na literatura da Antiguidade tardia, Pitágoras surge como um gênio único, o pai fundador da matemática, da música, da astronomia e da filosofia.

Um platônico moderno, o matemático e filósofo do século XX A. N. Whitehead, descreveu Pitágoras como o primeiro pensador a valorizar a função das idéias matemáticas no pensamento abstrato: “Ele insistiu na importância da máxima generalidade no raciocínio e percebeu a importância do número como auxiliar na construção de qualquer representação das condições envolvidas na ordem da natureza”(2).

Whitehead está ecoando os antigos relatos que creditavam a Pitágoras a invenção da própria noção de filosofia, a primeira descrição da natureza como um cosmos ou todo ordenado, a descoberta da esfericidade da Terra, o desenvolvimento da teoria dos proporcionais na matemática, a identificação dos cinco sólidos regulares e a descoberta das razões numéricas subjacentes às concordâncias musicais básicas(3). Como ele é representado como a maior mente científica da Grécia primitiva, se não de toda a Antiguidade, seus admiradores antigos vieram a enxergá-lo como a fonte de toda a sabedoria, o “príncipe e pai da filosofia divina”, nas palavras de Jâmblico(4).

Há, porém, o outro lado da imagem. Algumas das primeiras referências a Pitágoras são ambíguas ou satíricas. Heráclito ataca-o como charlatão inteligente: seu saber é grande, mas sua sabedoria é fraudulenta(5). Eduard Zeller, na sua grande história da filosofia grega, publicada no século XIX, reconheceu que a comunidade pitagórica era antes de tudo uma seita e culto, e que, no primeiro século após sua morte, Pitágoras era conhecido, acima de tudo, pelo ensinamento da imortalidade e da reencarnação(6). Zeller era cético quanto às conquistas científicas de Pitágoras, e seu ceticismo foi reforçado pelo trabalho crítico de vários estudiosos mais recentes.

Mas o julgamento mais extremado foi o de Erick Frank, que afirmou que “todas as descobertas atribuídas ao próprio Pitágoras ou aos seus discípulos por autores posteriores foram, na realidade, a conquista de certos matemáticos do sul da Itália na época de Platão”, um século inteiro após Pitágoras, e que estes matemáticos não tinham nenhuma ligação essencial com os "pitagóricos genuínos que são atestados (...), desde o século VI, como uma seita religiosa similar àquela dos órficos”(7).

Uma conclusão muito mais moderada, mas tendendo na mesma direção, foi obtida por Walter Burkert, em seu monumental estudo Weisheit und Wissenschaft, publicado em 1962 (com uma tradução revista para o inglês em 1972), que transformou nossa compreensão das tradições antigas em torno de Pitágoras e sua escola(8). Burkert rastreia a cosmologia pitagórica e sua filosofia dos números, relatadas por Aristóteles, até o tempo de Filolau, em meados ou fins do século V, mas não encontra nenhum indício que o ligue ao fundador da escola. O próprio Pitágoras, na visão de Burkert, é uma figura xamanística, um líder espiritual e organizador carismático (como Moisés, talvez), que exerceu uma grande influência na vida cívica da Magna Grécia, mas que não contribuiu com nada para a matemática ou a filosofia.

Há dois problemas distintos aqui. Um é a questão estritamente histórica referente à extensão de nosso conhecimento ou nossa ignorância a respeito de Pitágoras e sua escola. O outro é uma questão filosófica mais complexa, referente ao conceito mesmo do que seja “pitagórico” e sua reverberação ao longo dos tempos. Por que a figura de Pitágoras atingiu tamanho prestígio? E em que sentido certos aspectos influentes da obra de Platão são peculiarmente “pitagóricos”?

Burkert demonstrou conclusivamente que a concepção de filosofia pitagórica que é tida como certa na Antiguidade tardia é essencialmente o trabalho de Platão e de seus discípulos imediatos. Mas por que estes pensadores eram atraídos por Pitágoras e por que é justamente o elemento pitagórico no pensamento de Platão que prevaleceu tão poderosamente na Antiguidade e que ressurge em tantos desenvolvimentos modernos na ciência e nas artes?

Há dois aglomerados de idéias bem diferentes que explicam a persistente vitalidade da tradição pitagórica. O primeiro, enfatizado em nossa citação de Whitehead, é a tentativa de compreender e explicar a natureza das coisas em termos matemáticos. Como relata Aristóteles, os pitagóricos começam observando as razões numéricas das consonâncias musicais ou harmoniai e, ao encontrarem muitos pontos de correspondência entre os números e o mundo, concluíram que “o céu todo é harmonia e número”(9). Esta noção de uma rede de ligações entre a música, a matemática e os fenômenos celestes, que é resumida na noção da música das esferas, constitui um dos dois princípios fundamentais do pensamento pitagórico.

O outro aglomerado de idéias é a concepção da alma como imortal, e portanto potencialmente divina, já que na tradição grega a imortalidade é o atributo distintivo dos deuses. No pensamento pitagórico, a imortalidade é concebida em função da transmigração das almas (com a noção relacionada de parentesco entre todos os seres viventes) e também na possibilidade de purificação e libertação do ciclo do renascimento, da escravidão da forma corporal. (É esta concepção do pós-vida que é comum às tradições órfica e pitagórica.) Essa visão pitagórica da alma é desenvolvida mais sistematicamente no Fédon de Platão, mas surge também na doutrina da recordação em outros diálogos e nos mitos platônicos do julgamento e da preexistência no Fédon, na República e no Fedro.

Por outro lado, a concepção matemático-musical do cosmos recebe sua expressão mais definitiva no Timeu de Platão, no qual a alma do mundo é estruturada pelas razões musicais e o corpo do mundo é organizado a partir de triângulos elementares. A engenhosa geometria e a elaborada aritmética do Timeu são certamente invenção do próprio Platão, assim como a reinterpretação da recordação e da imortalidade em função da compreensão cognitiva das Formas eternas é do próprio Platão. Mas em ambos os casos Platão está trabalhando com temas que, na origem, são inequivocamente pitagóricos.

E foi primariamente por meio destes dois diálogos, o Fédon e o Timeu, que as idéias pitagóricas tornaram-se uma influência tão poderosa no pensamento de séculos posteriores, não apenas na Antiguidade, mas, novamente, no Renascimento e para além, chegando até o nosso tempo.

O envolvimento mútuo das tradições platônica e pitagórica é muito mais complexo e extenso do que isto, como veremos. Mas o Fédon e o Timeu podem servir como emblemas para o que é mais vital e duradouro na contribuição pitagórica para o pensamento ocidental: por um lado, uma compreensão matemática do mundo da natureza; por outro lado, uma concepção do destino humano que aponta para além do mundo visível e para além do corpo mortal, para uma forma superior de vida. É a combinação destas duas concepções que é distintamente pitagórica, mas também distintamente platônica.



(1) ARISTÓTELES, Metafísica, A 6.


(2) A. N. WHITEHEAD, Science and the Modern World, New York, Macmillan, 1925, 41.


(3) Ver, por exemplo, Diógenes LAÉRCIO, VIII 8 e 48; JÂMBLICO, Vita Pythagorica 58, 115-121, 159.


(4) JÂMBLICO, VP 2.


(5) HERÁCLITO, fr. 129: “Pitágoras, filho de Mnesarco, perseguiu a investigação (historie) mais longe do que qualquer outra pessoa e, escolhendo aquilo de que gostava destas composições, produziu uma sabedoria própria, muito saber (polymatheie) e velhacaria ardilosa (kakotechnie)”.


(6) E. ZELLER, Die Philosophie der Greichen in ihrer geschichtlichen Entwicklung, Leipzig, 1892, I.i, 325.


(7) E. FRANK, Platon und die sogenannten Pythagoreer, Halle, 1923, vi.


(8) W. BURKERT, Lore and science in ancient pythagoreanism [tradução inglesa de E. L. Minar Jr., revista pelo autor], Mass., Cambridge, 1972 [Ed. original alemã: Weisheit und Wissencraft: Studien zu Pythagoras, Philolaos und Platon, Nürnberg, 1962].


(9) ARISTÓTELES, op. cit., A 6, 986a3.







terça-feira, 10 de agosto de 2010

AS ORIGENS DA MARVEL COMICS: UM RESUMO HISTÓRICO



























Local: cidade de Nova York, Estados Unidos da América. Ano: 1939. A indústria das histórias-em-quadrinhos era ainda relativamente jovem quando Martin Goodman, um experiente empresário do ramo das publicações conhecidas como ‘pulp magazines’ (revistas baratas fabricadas com papel de baixa qualidade, especializadas em contos de ficção-científica, detetives, ‘westerns’ e aventuras em geral), decidiu pegar carona no sucesso de vendas que se tornara a novidade das revistinhas coloridas de periodicidade regular (os ‘comic books’), que a um baixo custo de produção e por um preço bastante convidativo – 10 centavos de dólar –, ofereciam texto e desenhos produzidos especialmente para as mesmas, e não republicações de tiras de jornal dominicais, como no início. Goodman investiu pela primeira vez na empreitada com a revista Marvel Comics, através de sua nova editora, batizada como Timely Comics, e esta publicação inaugural provaria, futuramente, ser a semente de um verdadeiro império.









Durante estes dias iniciais, o time de escritores e desenhistas da Timely incluía nomes que viriam, eventualmente, a se tornar lendários: Joe Simon, Jack Kirby, Bill Everett e Carl Burgos, além de um jovem editor-assistente chamado Stan Lee. Eles e seus parceiros criaram, na época, alguns dos mais bizarros e insanos personagens imagináveis: The Human Torch (o Tocha Humana original), um andróide – o primeiro 'homem sintético' dos quadrinhos – que podia se inflamar sem ser consumido por suas próprias chamas; Namor the Sub-Mariner (o Príncipe Submarino), um mutante anfíbio, dotado de força sobre-humana, pele à prova de balas, e que podia voar graças a 'asinhas' nos pés (!!!); The Whizzer (conhecido no Brasil como Corisco), um super-velocista que recebeu seus poderes através da transfusão de sangue de um pequeno mamífero, o mangusto (!?), depois de ser picado por uma cobra venenosa (!?!?); The Vision (o Visão original), um ser de outra dimensão que surgia e desaparecia, literalmente, numa nuvem de fumaça; e muitos outros, como Citizen V, The Destroyer, Blue Diamond, Thin Man, Jack Frost, The Patriot, Miss America, Black Marvel, etc. Porém, sem sombra de dúvida, o mais bem-sucedido entre todos eles, tanto em termos de vendas quanto em popularidade, era o patriótico Captain America (Capitão América) – criado em 1941 pela dupla Simon & Kirby – que desafiava as convenções ao ser o primeiro super-herói a enfrentar ostensivamente Hitler e suas hordas nazistas, meses antes dos Estados Unidos se engajarem ativamente no conflito que ficou conhecido como Segunda Guerra Mundial.










A partir de então, quase que como uma exigência, as forças do Eixo se tornaram o principal adversário dos personagens da predecessora da Marvel por quase meia década, um inimigo praticamente 'pedindo' para ser combatido, convenientemente real e odiado por milhares de leitores fiéis, todos ávidos pelas façanhas fantásticas de heróis que lutavam do lado certo numa justa batalha contra a tirania e pela liberdade. Entretanto, com o inevitável fim da guerra desaparecia um poderoso foco catalisador da atenção das massas, o que levou a que, eventualmente, a Timely perdesse muito de seu ímpeto inicial, assim como aconteceu com a maioria das editoras de quadrinhos na época. Por volta da década de cinqüenta a popularidade dos gibis de super-heróis havia decrescido consideravelmente – com raras exceções como Superman e Batman da DC Comics (cujo nome oficial era National Periodical Publications) e o Capitão Marvel original (que, apesar do nome, nada tinha a ver com a futura Marvel Comics) da editora Fawcett Publishing – o que levou a indústria norte-americana de quadrinhos a experimentar outros gêneros com renovado vigor: ‘western’, guerra, romance, humor, terror, todos voltaram a se tornar tema para novas estórias em novas revistas.








Da enorme variedade de heróis publicados pela Timely originalmente nos anos quarenta, apenas alguns poucos sobreviveram à crise daqueles tempos, liderados pelo Capitão América (que se tornara um ‘caçador de comunistas’), o Tocha Humana e o Príncipe Submarino. Por volta da metade dos anos cinqüenta juntaram-se a este grupo seleto personagens como o Cavaleiro Negro original (The Black Knight), magnificamente ilustrado por Joe Maneely, e o Garra Amarela (Yellow Claw), uma imitação do clássico vilão chinês dos 'pulps' Fu Manchu, combatido por um destemido agente do FBI, o detetive sino-americano Jimmy Woo.








As novas histórias de terror publicadas então – principalmente pela legendária EC Comics, que viriam a se tornar clássicos do gênero – geraram grande polêmica, levando muitos a considerar os ‘comic books’ como "ofensivos à moral e aos bons costumes" vigentes à época. Entre estes estava o psiquiatra Fredric Wertham, autor de um livro intitulado “Sedução do Inocente”, onde acusava as histórias-em-quadrinhos de ser o principal fator de corrupção da juventude americana. Em 1954, um comitê do Senado encarregado de avaliar possíveis causas para a delinqüência juvenil passou a investigar o conteúdo das estórias, o que levou os próprios empresários da indústria de quadrinhos, numa iniciativa que visava evitar um eventual e provável controle externo de suas atividades, à criação do famigerado ‘Comics Code Authority’, responsável pela censura auto-imposta tanto do texto quanto dos desenhos publicados e considerado um dos mais restritivos códigos de proibições que já existiu direcionado a um meio de comunicação. A eficiente campanha de difamação e os fatos dela decorrentes foram duros golpes no desenvolvimento tanto criativo quanto comercial da jovem e promissora indústria (antes de o CCA ser implantado, aproximadamente um bilhão de gibis era vendido anualmente).








Este clima político de "caça às bruxas" levou a Timely/Marvel – agora conhecida como Atlas Comics – a criar sua própria e original abordagem para o tema, sob a direção editorial de Stan Lee. Em meio às estórias mais convencionais de vampiros e mortos-vivos, uma nova estirpe de monstros fantásticos e com nomes esquisitos – Fin Fang Foom, Groot e Xemnu, entre outros – começava a surgir nos primeiros anos da década de sessenta. Publicados em títulos como Tales of Suspense, Strange Tales, Journey Into Mystery e Amazing Adult Fantasy estas estórias eram escritas por Lee e desenhadas por Jack Kirby, Steve Ditko, Don Heck, Gene Colan, John Romita Sr. e John Severin. Os monstros extravagantes, de uma forma indireta e inesperada, conduziram ao que viria a ser conhecido como ‘A Era Marvel’ das histórias-em-quadrinhos. Algumas daquelas idéias tornaram-se o protótipo para um novo e incomum tipo de herói. Por exemplo, a estória “O Homem no Formigueiro” (The Man in the Ant Hill), publicada em Strange Tales, número 73, de fevereiro de 1960, levou à criação do Homem-Formiga (The Ant-Man), enquanto o monstro-vilão que eventualmente viria a ser conhecido como Xemnu the Titan apareceu originalmente com o nome de 'Hulk' em Journey Into Mystery, número 62, de novembro de 1960.








Impressionados com o sucesso de vendas da rival DC com a estreante Liga da Justiça, (bem como com as novas versões de personagens veteranos como Flash e Lanterna Verde), Stan Lee, Jack Kirby e companhia, agora oficialmente sob a alcunha de Marvel Comics Group, canalizaram seus talentos num esforço de colaboração para o desenvolvimento de uma geração inteiramente nova de super-heróis, dando origem a personagens hoje clássicos como Fantastic Four (Quarteto Fantástico), The Incredible Hulk (o Incrível Hulk), The Amazing Spider-Man (Homem-Aranha), The Mighty Thor (o Poderoso Thor), Doctor Strange (Dr. Estranho), The Invincible Iron Man (Homem de Ferro), The Avengers (Os Vingadores), Daredevil (Demolidor), Captain Marvel (o novo Capitão Marvel) e The Uncanny X-Men (os X-Men originais), além de resgatar dois ícones já tradicionais da editora, Capitão América e Namor, o Príncipe Submarino. Tais criações da Marvel iriam mais uma vez quebrar o molde estabelecido do super-herói infalível, apresentando qualidades e fraquezas tipicamente humanas e tendo que lidar com problemas triviais de qualquer pessoa comum, como pagar o aluguel ou pegar um resfriado, e mesmo com questões mais relevantes, como lidar com a intolerância e o preconceito, conquistando, assim, uma legião de fãs entusiasmados. Os assim chamados ‘comics’, considerados tradicionalmente como leitura inconseqüente, tornaram-se, inesperadamente, dignos do respeito de intelectuais e da atenção da mídia e os quadrinhos da Marvel viraram um fenômeno universitário. Celebridades como o escritor Tom Wolf e o cineasta Frederico Fellini podiam ser flagrados em visita à redação da Marvel, enquanto que os próprios Lee & Kirby apareciam, vez por outra, num divertido exercício de meta-linguagem, nas páginas dos próprios gibis.







Se no início dos anos sessenta a DC ainda se mantinha como a principal editora de quadrinhos, pelo final da década a honra havia passado indiscutivelmente para a Marvel. Novos e inusitados personagens iam surgindo em seus próprios títulos, alguns dos quais inaugurando tendências como nas aventuras de 'espada-e-magia' de Conan the Barbarian (Conan, o Bárbaro), cortesia de Roy Thomas e Barry Windsor-Smith, ou reinventando gêneros como o terror em Tomb of Dracula (Tumba de Drácula), desenvolvido por Marv Wolfman e Gene Colan. A característica inovadora da House of Ideas (ou ‘Casa das Idéias’, como era apelidada por Stan Lee) teve ainda o mérito de atrair novos talentos criativos, destacando-se nomes como os de Jim Steranko, Neal Adams, Jim Starlin, Walter Simonson e John Buscema na arte, bem como os de Steve Englehart, Bill Mantlo, os irmãos Mike e Gary Friedrich, Steve Gerber e Doug Moench nos roteiros, entre outros. Em 1972 Stan Lee deixou o cargo de Editor-Chefe da Marvel Comics tendo tido vários sucessores: Roy Thomas, Len Wein, Marv Wolfman, Gerry Conway e Archie Goodwin. Este foi o início de uma época de grande efervescência criativa na editora, que chegou a anunciar nas capas de suas revistas a ‘Fase 2 da Era Marvel’, o que não parecia exagero. Estrearam na época, por exemplo: Luke Cage, Hero For Hire (Luke Cage, o Herói de Aluguel); Iron Fist (Punho de Ferro); Nova the Human Rocket (Nova, o Foguete Humano); Spider-Woman (Mulher-Aranha); Ghost Rider (Motoqueiro Fantasma); Moon Knight (Cavaleiro da Lua); Master of Kung Fu (Mestre do Kung Fu); Man-Thing (Homem-Coisa); Howard the Duck (Howard, o Pato); e The Punisher (o Justiceiro).







O Homem-Aranha, o mais popular dos personagens criados por Stan Lee & Cia., continuava a ser o carro-chefe da editora, mas em 1975, um fenômeno inesperado surgiu em cena. Os X-Men, um conceito que havia até então gozado de limitado sucesso, foi dramaticamente reformulado a fim de retratar uma nova equipe de heróis, composta por um mix étnico e ideológico totalmente inédito. Concebido por Len Wein e Dave Cockrum, o título foi assumido pelo novato escritor Chris Claremont (e, pouco depois, pelo desenhista John Byrne), crescendo gradativamente até tornar-se um dos mais poderosos marcos criativos já vistos nos quadrinhos ‘mainstream’ até os dias de hoje.







Por volta desta época a Marvel tornou-se pioneira no licenciamento de outras mídias para a produção de versões sob a forma de histórias-em-quadrinhos, tendo publicado ao longo dos anos gibis estrelados pelas franquias cinematográficas Star Wars (Guerra nas Estrelas), Star Trek (Jornada nas Estrelas), Godzilla, Indiana Jones e Robocop, por exemplo, bem como por personagens originalmente concebidos como brinquedos, entre os quais Rom the Spaceknight (Rom, o Cavaleiro do Espaço), Micronauts (Micronautas), G.I. Joe, Transformers e Shogun Warriors.







Com a chegada dos anos 80 o sucesso indiscutível de X-Men levou à criação de séries derivativas relacionadas ao universo mutante como The New Mutants (Os Novos Mutantes), X-Factor, Wolverine e Excalibur, com diferentes graus de êxito. Novas linhas de produtos foram experimentadas e eventualmente abandonadas como, por exemplo, os selos: Epic Comics, que visava um público mais adulto e sofisticado; Star Comics, orientado ao público infantil; New Universe, cujo objetivo era criar uma franquia nos moldes do Universo Marvel tradicional, mas com uma abordagem supostamente mais realística; e 2099, que apresentava versões futurísticas dos personagens mais populares da ‘Casa das Idéias’, como Homem-Aranha, X-Men e Hulk, entre outros. Em 1984, a Marvel Comics lançou aquela que seria a publicação de quadrinhos mais vendida até então: Secret Wars (Guerras Secretas), uma mini-série em 12 capítulos apresentando o primeiro grande ‘crossover’ entre seus principais personagens, por iniciativa de seu Editor-Chefe, Jim Shooter, um veterano que começara sua carreira aos 14 anos nos gibis da DC Comics nos anos 60, autor do roteiro, com arte de Mike Zeck e Bob Layton. O que originalmente deveria apenas ter sido um expediente editorial para alavancar as vendas de uma nova linha de bonecos articulados lançados por uma fábrica de brinquedos foi um estrondoso sucesso que redefiniu o formato dos ‘comics’. A partir daí, eventos monumentais envolvendo todo um universo ficcional de personagens, publicados em séries fechadas e com ramificações por toda a linha editorial, passaria a ser lugar-comum entre as editoras ‘mainstream’ de quadrinhos.







A saída de Jim Shooter da empresa – o qual, apesar de ser considerado por seus colegas na época como uma figura autoritária e controversa, desbravou novas fronteiras criativas e manteve a editora em sua posição de líder do mercado – abriu caminho para que a vaga fosse preenchida por Tom DeFalco e, no início dos anos 90, a Marvel Comics ia "de vento em popa" com o lançamento de um novo título do escalador-de-paredes, Spider-Man, escrito e desenhado por Tod McFarlane (que vendeu mais de um milhão de cópias em seu primeiro número), bem como de dois novos títulos mutantes, X-Men, da dupla Chris Claremont & Jim Lee, e X-Force, por Fabian Nicienza & Rob Liefeld, todos eles grandes sucessos comerciais. A Marvel Comics tornou-se Marvel Entertainment Group e dispersou seus investimentos em novos negócios com a compra de empresas de outros ramos, como a fabricante de brinquedos Toy Biz, por exemplo, e a fundação da Marvel Studios, uma iniciativa que eventualmente geraria frutos extremamente lucrativos, permitindo a realização de um sonho por muito tempo considerado impossível, ou seja, o desenvolvimento de grandes produções cinematográficas estreladas por seus personagens. Entretanto a concretização deste projeto ainda demoraria muitos anos e nesse meio tempo a Marvel iria enfrentar dificuldades financeiras decorrentes de uma administração desastrosa e que a deixariam à beira de um processo de falência, contratempo que eventualmente superou graças ao potencial indiscutível de sua linha editorial, reestabelecendo-se como uma robusta empresa do ramo de entretenimento.







Em 1995 Bob Harras assumiu a responsabilidade de Editor-Chefe e durante seu mandato a Marvel se associou à DC para a publicação de uma minissérie com confrontos entre seus personagens, onde os resultados das lutas eram decididos pelos leitores através de votação. Foi ele também o responsável pelo controverso evento conhecido como Heroes Reborn (‘Heróis Renascem’) em 1996, quando dois prodígios em vendas da época, os artistas Rob Liefeld e Jim Lee, receberam total controle criativo sobre todos os aspectos de quatro dos mais populares títulos da Marvel durante um período de doze meses: Vingadores, Capitão América, Quarteto Fantástico e Homem de Ferro. A experiência não foi o que se poderia considerar um sucesso retumbante, mas uma das características da Marvel Comics foi a de sempre procurar implantar uma estrutura não-convencional e em constante evolução, onde idéias revolucionárias possam ser testadas sem medo de errar, com o objetivo de criar continuamente novos conceitos, por mais bizarros ou explosivos que pareçam, na mesma tradição que vem impulsionando a editora desde que Stan Lee e Jack Kirby inauguraram a Era Marvel no início dos anos 60. 








A sabedoria de tal política pode ser atestada nos dias de hoje sob a administração de Joe Quesada como Editor-Chefe quando, mais do que em qualquer outra época, a Marvel é a líder inconteste do mercado de quadrinhos nos EUA e no mundo, com a publicação de sagas de grande sucesso, tanto comercial quanto de crítica, envolvendo conceitos que questionam os próprios fundamentos de seu universo super-heróico, como Civil War (Guerra Civil), onde um ‘Registro de Super-Humanos’ proposto pelo governo coloca antigos aliados em posições antagônicas; Secret Invasion (Invasão Secreta), onde alienígenas transmorfos tomam secretamente o lugar de vários personagens, criando um clima de intensa paranóia à la "Invasores de Corpos" (Invasion of the Body Snatchers), filme cult de ficção-científica dos anos 60; e Dark Realm (Reinado Sombrio), onde um tradicional ‘super-vilão’, supostamente regenerado, assume o controle sobre o principal órgão de segurança norte-americano, invertendo definitivamente os papéis convencionais entre ‘mocinhos’ e ‘bandidos’, numa nem tão sutil alusão à realidade política estadunidense.







Tendo recentemente se tornado uma subdisiária do conglomerado Walt Disney, a Marvel Comics goza atualmente de uma posição privilegiada no mundo dos quadrinhos, em grande parte em decorrência do sucesso de suas franquias cinematográficas mas, principalmente, devido a qualidade de suas publicações, com seus títulos ocupando frequentemente a maioria das posições no ‘ranking’ dos mais vendidos nos EUA e seus principais personagens estabelecidos como ícones populares ao redor do mundo.









Agora a Marvel Studios prepara-se para conquistar definitivamente o inconsciente coletivo das massas com uma sequência de filmes estrelados por seus personagens mais icônicos tanto individualmente quanto em grupo (Iron Man, Hulk, Captain America, Thor, The Avengers), enquanto que a rival DC ataca de Batman (de novo) e Green Lantern (Lanterna Verde), com talvez Superman (de novo) para breve.









Com tanta grana entrando, agora então com a Disney no negócio, espera-se que a Marvel seja razoável no reconhecimento de parte dos direitos de criação de seus principais personagens ao espólio de Jack Kirby e mais flexível nas negociações com os criadores do Universo Malibu, como parece ter acontecido na aquisição do Universo CrossGen.








POST-SCRIPTUM:


Pode parecer otimismo exagerado (e provavelmente, é) esperar um maior reconhecimente, no futuro, sob a forma de 'royalties', aos criadores de 'comics' aposentados e das famílias daqueles já falecidos, tanto pela Marvel quanto pela DC. Independente disso esse pessoal tem se unido e lutado por seus direitos nos tribunais há um bom tempo, conquistando em diversos casos, ultimamente, acordos de co-propriedade.


DESTROYER DUCK LIVES! 
JACK KIRBY RULES! 










Fontes de consulta e pesquisa:


- 'THE OVERSTREET COMIC BOOK PRICE GUIDE', de Robert M. Overstreet e Gary M. Carter (Gemstone Publishing)



- NOSSOS DEUSES SÃO SUPER-HERÓIS ('OUR GODS WEAR SPANDEX'), de Christopher Knowles e J. M. Linsner (Editora Cultrix)


- 'ALTER EGO', periódico sobre a história das HQ e de seus criadores, editada por Roy Thomas (TwoMorrows Publishing)